GAITEIRA
Relatório
Quero gaita de oito baixos para ver o ronco que sai
Botas feitio do Alegrete, esporas do Ibirocai
Lenço vermelho e guaiaca compradas lá no Uruguai
Pra que digam quando eu passe,
Saiu igualzito ao pai
– Guri (1983), por César Passarinho
Acordeão, sanfona, gaita. Todos são nomes para o mesmo instrumento de teclas, composto por duas caixas retangulares ligadas por um fole. No Rio Grande do Sul, é mais conhecido pela última alcunha, gaita, o que Cascudo identifica como uma derivação da gaita de foles. Sanfona fica mais notório no Nordeste brasileiro, ainda que originalmente este nome fosse utilizado, em Portugal, para se referir a outro instrumento, de cordas, que nada tem a ver com ele.
Já a nomenclatura “acordeão” viria do Alemão, em referência aos acordes de notas musicais. Por aqui, também é comum que o tocador o chame de “cordeona”, que é uma forma de se referir no feminino ao instrumento que passa as noites envolto nos braços do músico.
Este último detalhe nos leva para a centralidade do texto sobre a figura da gaiteira: o lugar da mulher na música tradicional gaúcha. De maneira geral, não era estranho que uma mulher soubesse tocar gaita, mas, por muito tempo, este foi um espaço que lhe foi subalternizado, não de protagonista. As mulheres eram inspirações, musas.
Em 1956, por exemplo, os Irmãos Bertussi fizeram a primeira gravação fonográfica de um ritmo típico dos pampas, conhecido como “bugio”, que é dançado com dois pulinhos para um lado e para o outro. Em entrevista posterior, os irmãos explicaram que o ritmo da música veio da lembrança de uma gaiteira de nome esquecido, a qual lhes apresentou a melodia às escondidas. Afinal, o bugio não era música para mulher direita tocar.
Duas das pioneiras na indústria musical foram Jeanette Ferreira da Costa (1942-2017) e Mary Terezinha (1948). A última, que tocava desde tenra idade, encantava a plateia quando criança, ao saber, de cor e salteado, o repertório de Victor Matheus Teixeira, o Teixeirinha – ao ponto de ficar conhecida como “Teixeirinha de Saias”, segundo ela mesma. Aos 15 anos de idade, após ganhar um concurso, foi chamada para acompanhar o gaiteiro. A partir daí, sua vida mudaria para sempre.
A dupla Teixeirinha e Mary Terezinha fez muito sucesso entre os anos 1960 e 1980. No entanto, como ela mesma conta em sua autobiografia de 1992, a relação foi marcada por todo tipo de abuso e violência contra a moça – que era 23 anos mais nova que o cantor. O primeiro parágrafo do livro já demonstra: “Tenho quinze anos e estou vivendo como concubina de um homem que não amo, embora não saiba nem o que é amar e nem o que é ser amante. O nome do homem é Victor Matheus Teixeira, mais conhecido por Teixeirinha. Ele já foi o meu ídolo.”
Diante de todas as ameaças e do machismo da época, Mary conseguiu se divorciar e, ainda hoje, faz apresentações e promete novas músicas. Uma sobrevivente que inspira outras mulheres a encontrarem forças para sair de situações de abuso, infelizmente tão comuns.
Já Jeanette nasceu em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, e aprendeu a tocar quando criança, com sua mãe, que tocava sete instrumentos. Aos 14 anos de idade, passou a acompanhar o músico tradicionalista Gildo de Freitas – o Rei da Trova.
Na década de 1960, quando trabalhava como radialista, conheceu Nelson, com quem fez dupla por mais de 20 anos, produzindo 22 discos. Jeanette chegou a ser conhecida como a Rainha do Acordeon, tamanho o reconhecimento. A dupla Nelson e Jeanette acabou com o fim do relacionamento entre os dois e, infelizmente, o sucesso nunca mais foi o mesmo.
Hoje, o papel da mulher na sociedade – e, por consequência, na música tradicionalista – tem mudado.
Já temos mulheres patroas de CTG, os Centros de Tradição Gaúcha. Surgem movimentos como o Gauchismo Líquido, da pesquisadora e compositora Clarissa Ferreira, que problematiza o cerne da tradição. Temos o caso de Gabriella Meindrad, a primeira mulher trans a se tornar prenda em um CTG. E, por outro lado, temos também mulheres que sobem ao palco já de bota e bombacha, não mais de vestido. É que, por muito tempo, era preciso estar de prenda para galgar esse espaço tão masculino. Uma tradição instituída pelo próprio Movimento Tradicionalista, que criou a vestimenta em meados do século XX.
GAITEIRA
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 3
Tipo: Gente
Elemento: Noite
Habilidade:
Quando esta carta é invocada, seu oponente não pode invocar nenhuma carta Gente ou Visagem por um turno.
Efeito: Pausa
Citação: "Essa aí é taura. Saiu igualzita ao pai!"
Artista: Camila Raposa
Fontes
– REOLON, Cleici; OLIVEIRA, Natalie. A moda do vestido de prenda: do surgimento até os dias atuais. RIHRGS, n. 157, Porto Alegre, 2019. p. 175-196.
– TEREZINHA, Mary. A Gaita Nua. Porto Alegre: Rigel, 1992.