ERVEIRA
Relatório
A poporoca passou, banzeiro deixou…
Banzeriou, banzerio
Lá vem o pô-pô-pô
Trazendo o nosso cheiro do interior
Tem Pataqueira, tem Patcholi
O famoso Bulgari
Baunilha cheirosa
A famosa Priprioca
Banzeiro de pororoca
– Banzeiro, por Dona Onete (2016)
O Mercado Ver-o-Peso, em Belém, é uma das mais famosas feiras de todo o país. E em meio aos inúmeros setores de ofertas e produtos do lugar, um dos grandes destaques é o setor das ervas. É lá que ficam as erveiras e erveiros; mestres das plantas medicinais, especializados na combinação de elementos para sortilégios dos mais diversos.
Quem vai a uma dessas barracas encontra todo tipo de produto para banhos-de-cheiro, defumações, perfumes e garrafadas. Desde maços com as ervas corretas até preparados coloridos que buscam capturar a atenção do freguês. Os vidrinhos exibem os rótulos com os nomes mais criativos para as essências: “chega-te a mim”, “chama dinheiro”, “arranja marido” e tantas outras variedades para atrair o amor.
Também é possível encontrar justamente o contrário: ervas adequadas para fazer um relacionamento chegar ao fim. Não é sem motivo que em 2022 o aplicativo de relacionamentos Tinder fez um trabalho de folkcomunicação envolvendo as erveiras: influencers do Brasil receberam um kit chamado “Desata Match”, com perfumes criados pelas mestras para deixar um relacionamento seguir adiante.
Além dos perfumes, a prática do banho-de-cheiro é especialmente orientada por estas mestras dos saberes populares. Tratam-se de banhos aromáticos que juntam ervas, flores, essências e resinas para buscar efeitos mágicos. Alfredo da Mata, em Vocabulário Amazonense vai apontar que é possível buscar fortuna, boa sorte ou até mesmo afastar o “caiporismo” (tristeza) e a “panema”, uma espécie de maldição do azar por meio deles.
Os banhos são, por vezes, preparados em um alguidar, uma espécie de bacia ou recipiente. Ali as ervas são colocadas em infusão, juntamente com a intenção para cada momento: sucesso, superação, atração, e assim por diante. Cada preparado possui suas próprias peculiaridades: alguns devem ser despejados apenas do pescoço para baixo. Outros são feitos justamente para que se molhe a cabeça. Muitos pedem que não se use sabonete e nem se enxugue o corpo após o banho mágico, deixando a essência impregnar e secar com o tempo.
Diversas são as ervas utilizadas nos banhos. Osvaldo Orico menciona arruda, alecrim, manjericão, manjerona, malva rosa e branca, vassourinha. Há ainda o patchouli e a famosa priprioca – uma espécie de capim, da família do junco, com raízes de cheiro amadeirado. Um aroma tão mágico que inspira, inclusive, narrativas lendárias.
Brandão de Amorim, em “Lendas em Nheengatu e em Português” atribui a seguinte história aos indígenas Manaós. Ele lembra que a priprioca é uma contração de “piripirioca”, e conta que Piripiri era um herói mítico dos tempos antigos. Belo e jovem, exalava um perfume mágico que deixava as cunhãs perdidamente apaixonadas.
No entanto, elas nunca conseguiam se aproximar de Piripiri, pois a qualquer sinal de presença ele se transformava em névoa e desaparecia. Quem cheirava a névoa acabava presa em um sono misterioso. Frustradas, as moças procuraram o pajé e pediram orientação. Por sua instrução, utilizaram os fios de seus cabelos para criar cordas e prender Piripiri. Foi inútil: o rapaz diluiu-se no ar, novamente, e nunca mais foi visto.
Pela manhã, no entanto, ao centro de sua casa, as mulheres encontraram um capim cheiroso, que guardava seu perfume. Ali residia a sua lembrança e o seu cheiro. Por isso, a planta foi batizada “piripirioca”; a Casa de Piripiri.