Ilustração: Stuart Marcelo
MESTRA DAS CARRANCAS
Relatório
Nascida em Santa Filomena, distrito de Ouricuri, na divisa de Pernambuco com o Piauí, Ana Leopoldina Santos foi uma das ceramistas mais notórias do nordeste brasileiro. A mestra, que nos deixou em 2008, deixou um legado de afetividade e entrega, plasmado no barro que moldava desde os sete anos de idade.
Ana Louceira, como era conhecida, tornou-se Ana das Carrancas apenas 10 anos depois de se mudar para Petrolina, também em Pernambuco, junto ao seu segundo marido, José Vicente. A vida não era generosa, as louças que Ana vendia na feira não tinha saída e José vivia pedindo esmolas na rua.
Certa feita, Ana foi até o Rio São Francisco e pediu uma graça ao santo. A inspiração fez com que ela olhasse para um pé de Mussambê, planta típica da região, e escavasse tirando dali o barro. Enquanto escavava, bateu a ferramenta numa pedra e dela tirou fogo. Ana entendeu que estava no caminho certo; era sinal.
Mais tarde, admirando o rio promesseiro, viu a chegada das barcas que vinham adornadas com as carrancas; figuras de proa representando carranchões monstruosos na frente das embarcações. A inspiração veio na hora. Ana criou, assim, a peça que batizou de “Gangula”. Trata-se de um barquinho de barro que parece um vaso com alça, e uma carranquinha na frente.
O trabalho impressiona técnicos da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, que fazem a ponte para que Ana produza as gangulas que seriam distribuídas na inauguração da Biblioteca Municipal de Petrolina.
Em 1973, Ana faz uma nova promessa, para que seu marido nunca mais precise pedir esmolas. Como José Vicente era cego, Ana passa imprimir nas peças aquela que seria a sua grande marca artística: furava os olhos das carrancas, em homenagem ao marido e ao santo promesseiro. Era José, afinal, seu grande apoiador, e quem pisava e limpava o barro que a mulher moldava.
Em seu relato, Ana diz que não fazia as carrancas para afastar espíritos. Afinal, não sabia se eram bons ou ruins. “Eu faço carrancas por amor”, resumia.