Loira do Banheiro

Ilustração: Reichel Ilustra

LOIRA DO BANHEIRO

Relatório

Recentemente, tem se tornado cada vez mais popular a narrativa de que a lenda da Loira do Banheiro teria uma origem comum para todo país. Ela estaria relacionada à morte de Maria Augusta de Oliveira, filha do Visconde de Guaratinguetá, Francisco de Assis Oliveira Borges.

Vamos aos fatos históricos: Nascida em 1865, Maria Augusta foi uma das tantas filhas do segundo casamento do Visconde. Seu pai procurava casamentos para os filhos e netos entre as ricas famílias do interior de São Paulo. Foi assim que ela, aos 14 anos de idade, teve que casar com o Conselheiro Dutra, vice-presidente da Província de São Paulo, banqueiro e professor de Direito, 21 anos mais velho que ela.

O restante encontramos não em documentos oficiais, mas em textos de memorialistas – que podem, ou não, terem os acontecimentos traídos pelo passar do tempo. E muito do que, em princípio, sabemos sobre Maria Augusta foi escrito por pessoas como Carlos Eugênio Marcondes de Moura e a professora Maria Isabella Fabiano.

Ao que parece, Maria Augusta, ao completar 18 anos, mentiu para o marido que iria fazer compras e fugiu para o Rio de Janeiro. De lá, embarcou para a Europa. Foi assim que o marido pediu seu divórcio. Após aproveitar como pode, retornou ao Rio de Janeiro, onde faleceu aos 26 anos de idade. Quando o corpo foi transladado para Guaratinguetá, foi disposto em uma alcova de vidro, já que o mausoléu para a moça ainda não estava construído. Segundo Carlos Moura, é aí que as coisas passam a ficar estranhas.

“Quando o corpo chegou a Guaratinguetá foi um acontecimento e a estação ficou apinhada de gente. Enquanto a capelinha não ficava pronta, seus restos permaneceram em uma alcova, na chácara do visconde. Certa tarde, tia Maria Amélia (Miquinha), que sofrera um aborto, muito febril, viu uma luminosidade intensa envolver a alcova (que avistava de seu quarto) e Maria Augusta levantou-se do caixão, dirigindo-se a ela. “Estou sofrendo muito e não sou santa para permanecer em redoma de vidro. Quero que me enterrem”, pediu ela à irmã. Impressionadíssima, tia Miquinha teve seu estado agravado e morreu algumas horas depois”.

Com a morte do visconde, o palacete onde viviam ficou nas mãos da viúva e de seus filhos. Com a morte desta, o imóvel passou para o Governo do Estado de São Paulo, quando foi adaptado para se tornar a Escola Complementar e Normal de Guaratinguetá, em 1902. No local hoje funciona a Escola Estadual Conselheiro Rodrigues Alves, e dizem que a alma da filha do visconde permanece assombrando o espaço na forma de Loira do Banheiro.

Instigante que seja esta história, ela é apenas uma das infinitas Loiras do Banheiro que existem pelo Brasil. Suas narrativas vão sempre ser marcadas por mulheres que sofreram algum tipo de violência, sendo personificadas de maneira distinta em cada colégio, cada espaço.

Em Mato Grosso do Sul, a versão mais conhecida da lenda é a da Mulher do Algodão. No Jockey Club, os alunos da E. M. Padre José Valentim encontraram uma narrativa bastante cruel. Dizem que o fantasma era uma menina que foi violentada e morta no banheiro da escola. O homem que a matou colocou algodão na sua boca, arrastou seu corpo até a privada, chutou seu corpo e ainda a xingou. Para fazer com que a aparição surja, é preciso dar três chutes no vaso sanitário e falar três palavrões. Existe uma variação ainda que diz que não são três palavrões a esmo, mas três ofensas direcionadas especificamente para o espírito.

Uma alternativa colhida na mesma escola é a lenda da Mulher do Algodão Doce. Dizem que era uma merendeira da escola que, enquanto fazia o doce, foi esfaqueada pelo segurança que ali trabalhava. O corpo foi mais tarde enterrado no banheiro do colégio. O encanto, aqui, é um pouco mais complexo: é preciso chutar o vaso, dar descarga e falar palavrão, sempre três vezes seguidas. Então se deve apagar e acender a luz e abrir e fechar a torneira. Quem fizer isso, ao abrir a porta do box, vai dar de cara com o fantasma.

Muito parecida é a história colhida pela E. M. Múcio Teixeira Junior, na Vila Carlota: a Mulher da Faca. Dizem que é um espírito que tem raiva das crianças, por que teria sido uma a responsável por sua separação do marido. O fantasma, famoso por decapitar crianças, aparece quando se chuta o vaso três fazes e se fala três palavrões. Interessante é que há também um ritual de esconjuro: para que ela suma, basta dizer o nome de três belas flores.

São todas variações que mostram que a Loira do Banheiro, e outras assombrações femininas, não tem uma origem única. Passam pelos medos atávicos que formam nossa relação com a violência de gênero ao longo dos séculos.

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