MALDIÇÃO DA CARA TORTA
Relatório
Narrativas míticas para explicar a origem de fenômenos ou elementos da natureza são muito frequentes. Este é o caso da história que conta o surgimento de peixes achatados, em especial o Linguado (Solea Solea) que dão ao povo a impressão de ter o rosto fora do lugar. A cara torta.
O lastro dessa narrativa pertence ao folclore cristão. Conta Apolinário Porto Alegre: “Um dia vinha Nossa Senhora muito cansada sob um terrível sol de verão. Quando ela aproximava-se duma praia, vinha o linguado para sestear, como é seu costume. A Virgem, lavada em suor e com a voz arquejante, dirigiu-se a ele:
“Não podes dizer-me linguado, que horas são?”. Este mirou-a por algum tempo, aborrecido por ela vir perturbá-lo. Depois riu-se e arremedou-a, contra-fazendo-lhe o gesto e a voz: Não podes dizer-me, Linguado, que horas são? A Virgem amaldiçoou-o então, dizendo-lhe que ficasse no estado em que estava, arremedando-a. Desde esse tempo ficou com a boca torta”.
Variações desta história incluem outro tema muito frequente nos contos populares católicos: as andanças de Jesus e Pedro pelo mundo. Dizem que quando Cristo pediu informação ao linguado, querendo saber se a maré enche ou vaza, o peixe arremedou o filho de Deus, debochando dele. Como castigo, Jesus aplicou um tapa no peixe que deformou seu rosto e condenou todos os seus descendentes.
Animais abençoados ou amaldiçoados por Jesus e Maria são uma constante no folclore católico. É o caso do Bem-Te-Vi, por exemplo, que por ter entregado aos romanos a posição de Maria e José durante a fuga para o Egito foi amaldiçoado como pássaro dedo duro. O mesmo com o Quero-Quero, que tornou-se incapaz de descansar, ficando sempre vigilante com seus olhos vermelhos injetados.
No Brasil, essa mesma história é contada para peixes semelhantes, como o Peixe Tapa e a Solha. Cabe lembrar que, muitas vezes, os nomes populares se misturam, fazendo com que todos sejam chamados de Linguado ou vice-versa.