Ilustração: Karl Felippe
UNHUDO
Relatório
Aquele que se aproxima da Mata da Pedra Branca, nas proximidades do município de Dois Córregos/SP, deve estar atento. Um passo em falso e pode se deparar com esta impressionante visagem. Dizem que ele aparenta ser um homem muito magro e muito alto, com quase dois metros de altura. Usa na cabeça um chapéu de palha puído e trapos de roupa já devorados pelo tempo. Quem olha com atenção, no entanto, percebe que o homem já não tem pele; apenas um couro grosso colado sobre os ossos. Nas suas mãos, unhas descomunais lhe garantem o nome pelo qual ficou conhecido: Unhudo.
Dizem que o Unhudo é uma variedade de Corpo-Seco, que é como são chamados os mortos que, ao cometerem um grande número de atos cruéis em vida, tem seu descanso eterno negado. Recusados pela terra, não conseguem nem ascender aos céus e nem afundar no inferno. Com o corpo semi decomposto, retornam ao nosso mundo para continuar a espalhar sua podridão.
O povo da cidade, nos primeiros registros escritos – coletados na década de 1970 – o descreviam como um monstro que vivia em uma caverna, à margem esquerda do Rio Tietê, na fronteira entre Mineiros e Dois Córregos. Quem tentasse colher as jabuticabas ou orquídeas que ali cresciam, sem autorização, sofriam a visita do morto-vivo que, com um único golpe, deixava a vítima desnorteada e incapaz de voltar para casa incólume.
Outros registros falam que ele se esconde atrás do tronco das árvores, e sempre que os peões de comitiva passavam levando o rebanho ele aboiava em resposta, assustando os que ali passavam. O Unhudo é capaz de falar, e o faz com uma voz rouca, reivindicando a posse do pomar. Aqueles que conseguiram atirar com suas garruchas no morto perceberam que as balas o atravessam sem maiores danos.
Uma versão da lenda sugere que o Unhudo teria nome e sobrenome. Ele seria a alma penada do major Cesário Ribeiro de Barros, um ilustre morador da cidade na primeira metade do século XX. Dizem que foi ele quem mandou plantar os pés de jabuticaba na região, e exige seu domínio sobre eles até hoje.
Major Cesário era um homem de posses. Morador da rua Tiradentes, nº 511, tinha em sua casa telhas importadas da França e portas da Inglaterra. Os negócios do major envolviam o empréstimo com juros altos para a população. Ao mesmo tempo, cometia atos de caridade, como a doação do terreno onde hoje fica a Santa Casa.
Diz-se que, após sua morte, seu corpo permaneceu intacto, resistindo à putrefação mesmo quando colocado no campanário da igreja matriz. A crença popular afirma que o espírito de uma pessoa falecida não teria paz enquanto o corpo não se deteriorasse, alimentando a ideia de que o Unhudo é a alma penada do major Cesário.
Após uma campanha midiática e de educação ambiental, o Unhudo é apresentado na cidade como um protetor da natureza, que exige respeito para com o ambiente. Algo que difere bastante de uma alma presa às próprias posses que exigiria, mesmo após a morte, domínio sobre o que a terra dá.