Saci Pererê

SACI PERERÊ

Relatório

“Pererê” é uma palavra que deriva da palavra tupi “perereg”, significando “aquilo que pula”. É o mesmo radical que vai formar “perereca”. No entanto, como nada no imaginário tem uma origem única, “Pererê” é também onomatopeia do canto de um pássaro. Como a oralidade não tem registro fixo, quem escuta o passarinho cantar transcreve da maneira que entendeu. Por isso, temos outros nomes: Saci-Sererê, Taperê, Taterê, Tererê e assim por diante.

Os primeiros registros escritos de Saci foram feitos na década de 1850, publicados no jornal Correio Paulistano. No artigo, já se falava dele como pertencente a uma “tradição das avós”. Com isso, podemos traçar o surgimento desta visagem próximo ao final do século XVIII. Isso quer dizer que, diferentemente dos mitos de origem indígena como Curupira ou Boitatá, não se falava em Saci no Brasil durante os primeiros 300 anos após a chegada dos portugueses, em 1500.

Podemos, com isso, entender que a crença no Saci surge com o imaginário colonial, em que cada povo partilhou um pouco das características que hoje tornam o Saci tão conhecido. Dos indígenas, herda o domínio das matas, dos segredos das ervas e dos chás. Dos negros, empresta o cachimbo dos pretos velhos, o assobio de Exu, e, dos orixás Ossain e Aroni, recebe a cor da pele, a perna única e, novamente, o reforço dos poderes das matas. Por fim, dos duendes portugueses, recebe a carapuça vermelha como objeto de poder – algo frequente entre gnomos, trasgos e outras visagens europeias. É pelo imaginário português que o Saci adentra as residências, sumindo com coisas, azedando a comida, dando nó em tudo que se embola.

Vale lembrar que o Saci nada tem a ver com demônio, diabo ou suas variações; os registros do século XIX e início do XX que o mencionam dessa forma são interpretações de um tempo em que o racismo demonizava todos os elementos da cultura negra, relacionando tudo o que dizia respeito a sua pele, hábitos, cabelo e crenças como monstrificáveis. Um entendimento adequado seria pensar nele como um duende. Um ser capaz de ajudar e atazanar, basta cair em suas graças.

Existem várias origens possíveis para seu nome. Uma das possibilidades é a onomatopeia do canto de duas aves; o Peixe-Frito-Pavonino (Dromococcyx pavoninus) e a Tapera Naevia, pássaro que recebe vários nomes pelo Brasil: Matinta Pereira, Sem-Fim e, claro, Saci.

Outra possibilidade é da derivação de Yasy Yateré, visagem do povo Guarani de duas pernas, cujos primeiros relatos também retomam ao século XIX. Apesar da semelhança do nome, os dois mitos são bem diferentes. “Yasy Yateré” significa algo como “fragmento da lua”, e isso influencia a sua aparência. Ele é normalmente descrito como branco, loiro e portador de um cajado dourado, que é seu objeto de poder.

O Yasy tem domínio sobre o mel e também é protetor das siestas. Dizem que costuma sequestrar as crianças que saem para brincar longe dos pais enquanto eles dormem. Outro detalhe interessante é que, por ser filho da lua, herda também a influência que ela tem sobre o corpo feminino. É capaz de enlouquecer pessoas, especialmente as mulheres, graças a sua habilidade.

O que acontece muito, especialmente em regiões de fronteira, é que o imaginário, assim como a cultura, mistura-se para além das bordas. Yasy, Saci e outras visagens da fronteira, como o Pombero ou Pomberito, vão intercambiando aspectos de suas narrativas, formando versões únicas para cada contador. Por isso, às vezes, vamos encontrar histórias de sacis tão diferentes, mas com elementos familiares.

Para acalmar o Saci, assim como os demais duendes da região, o costume é padrão: ofertas de fumo, cachaça, mel ou angu. Para afastá-los: bentinhos, rosários e alho são a opção mais frequente.

Ao se falar de Saci, é impossível não lembrar de Monteiro Lobato. O escritor (1882-1948) incorporou o Saci em apenas uma das histórias de sua série de livros infantis mais famosa; o Sítio do Picapau Amarelo. No entanto, o personagem fez tanto sucesso, que, logo nas primeiras adaptações para o audiovisual, já se tornou coprotagonista – ajudando os netos de Dona Benta em suas aventuras pelas terras mágicas no interior do Brasil.

O interesse do autor pelo Saci data de anos antes da publicação da primeira história do Sítio, lançada em 1921. Ainda em 1917, Lobato lançou nas páginas do jornal O Estado de SP o chamado “Inquérito sobre o Saci”. Nele, solicitava que os leitores respondessem por carta a um conjunto de perguntas, com o objetivo de rastrear a presença do Saci pelo imaginário brasileiro. Foram mais de 70 cartas recebidas, compondo um panorama riquíssimo deste que é, até hoje, um dos mais famosos mitos do país.

SACI PERERÊ
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 4

Tipo: Visagem
Elemento: Vento

Habilidade:
Quando esta carta é invocada, você deve escolher uma carta, em campo, para devolvê-la à Mão da pessoa.

Efeito: Retorno

Citação: "Garrafa? Que coisa mais antiquada... Aqui só trabalhamos com sacis livres."

Artista: Hugo Canuto

Carta do Saci Pererê, com ilustração mostrando o Saci Pererê no meio de uma floresta. Ele usa um gorro vermelho, algumas faixas vermelhas nos braços e na perna. Algumas folhas ao redor do pescoço e cobrindo a cintura. Ele segura com a mão um cachimbo em forma de chifre na boca. Uma rajada de vendo circunda ele.

Baixe a imagem em HD

Fontes

– Ambrosetti, Juan B. Materiales para el estudio del folk-lore misionero. Revista del Jardin Zoologico, 1894.
– Correio Paulistano. Tradições Populares de Minas e S. Paulo. São Paulo, 22 set. 1859, p. 2-3.
– Costa, Andriolli. Saci centenário: uma análise mitocrítica de Saci Pererê – resultado de um inquérito. Revista Boitatá, v. 16, n. 31, p. 26-36, 2021.
– Lobato, Monteiro. O Saci-Pererê – Resultado de um inquérito. São Paulo: Globo, 2008.
– Lobato, Monteiro. O Saci. São Paulo: Brasiliense, 2005.
– Queiroz, Renato. Migração e metamorfose de um mito brasileiro: o saci, trickster da cultura caipira. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. SP, n. 38, p. 141-148, 1995.
– Queiroz, Renato. O herói-trapaceiro. Reflexões sobre a figura do trickster. Tempo Social – Revista de Sociologia da USP, SP, v. 3., n. 1, p. 93-107, 1991.
– Queiroz, Renato. Um mito bem brasileiro: estudo antropológico sobre o Saci. São Paulo: Polis, 1987.