MESTRE CARNEIRO
Relatório
O baiano Edison Carneiro (1912-1972) é considerado referência nos estudos de folclore e narrativas afro-brasileiras no Brasil. Autor do clássico “Dinâmica do Folclore” (1965), fez grandes contribuições para a pesquisa na área defender folclore como algo dinâmico, em movimento e transformação, não algo estático e imutável.
Mas quem foi esta figura e por que ele se tornou tão importante? Para compreender, vamos olhar para sua história. Edison era filho de Antônio Joaquim de Souza Carneiro e Rosa Sanches de Souza. Hoje, com o avanço das discussões sobre racialidade, Edison e sua família facilmente seriam classificados como negros de pele clara. No entanto, tendo em vista que falamos de um século atrás, diante de uma família de classe média alta que figurava entre a intelectualidade, por muitas vezes, essa negritude foi negada. Isso fez com que a antropóloga Ruth Langes, que foi sua amiga, escrevesse, em uma carta, algo que hoje seria uma metonímia do racismo estrutural: “Era o tipo de família às vezes chamada de ‘negros brancos’, por muito respeitada”.
Ainda assim, o tema da ancestralidade sempre atravessou os trabalhos de Edison, mas também de seu pai. Souza Carneiro era um professor de engenharia aposentado – forçosamente – da Escola Politécnica, em 1932, por desavenças políticas. Passou, então, a se dedicar à literatura e à pesquisa. Nesta época, produziu o livro “Os Mitos Africanos no Brasil – Ciência do Folk-Lore” (1937). Com o passar do tempo, a idade avançada, aliada ao desgosto de sua saída, colaborou para que a escrita fosse seu refúgio, ao ponto de ser criticado por publicar demais, abrindo mão da qualidade e do rigor.
Sobre Souza Carneiro, Jorge Amado, que era amigo de Edison desde a adolescência, escreveu, com gentileza: “Era um mago, vivia cercado por forças celestes e creio que adivinhava. Exercia poder absoluto sobre todos os centros espíritas de Salvador, especialista em Allan Kardec e em outros mestres da mediunidade […]. Um mago, sem dúvida, sonhando com o futuro, incapaz de qualquer mesquinhez, tão desligado das misérias, da maldade e da feiura que fazia difícil distinguir no velho Souza Carneiro a fronteira que separa a realidade da imaginação. Nós o adorávamos, tínhamos nele não apenas um mestre, também um companheiro”.
A alcunha de “mago” foi quase um título honorífico que Jorge Amado também percebeu herdado no filho. Em 5 de março de 1937, o escritor publicou, no jornal Estado da Bahia, o artigo “O jovem feiticeiro”, em homenagem ao amigo Edison Carneiro. Nele, traçou elogios ao homem conhecido por levar amigos a pais de santo, guiando-os pela beleza dos candomblés.
Era a época de lançamento de “Negros Bantus”, livro aclamado de Edison que vinha um ano depois de “Religiões Negras”. Jorge Amado elogiava a produção, identificando-o como um intelectual que também estava inserido nas religiões que estudava.
“Livro de quem conhece o assunto não só por leitura, não só pelo que leu nos outros, mas de quem conhece de contato direto. Ele é ogã, ele viveu naqueles meios […] É além de tudo um estudo feito por um homem da mesma raça que os estudados [Ele] nada tem de diletante […] Com a raça africana da Bahia, ele sofreu, ele riu em grandes gargalhadas […] É um deles e assim esse estudo, esse depoimento, ganha em força e verdade […] Fala um membro das religiões negras que é ao mesmo tempo um dos sujeitos mais cultos do Brasil”.
A relação artística e reflexiva de Edison com Jorge Amado começou ainda nos anos 1920, quando ambos fizeram parte de um grupo conhecido como “Academia dos Rebeldes”. Foi lá que ambos discutiram autores marxistas que influenciariam diretamente a produção de ambos. É inspirado em Gramsci e seu texto sobre folclore nos Cadernos do Cárcere que Edison encontrou o fundamento para a “Dinâmica do Folclore”, texto escrito em 1950 e compilado e editado em 1965.
Mais do que o entendimento fundamental de que folclore não é cultura pretérita, morta, mas sim práticas vivas e atravessadas de atualidade, Edison defendia a potência revolucionária da cultura das classes populares. Para ele, ainda que carregando muitos elementos conservadores e de reificação do status quo, o folclore carrega em si o gérmen da transformação social. Afinal, ele surge e viceja no seio do povo, sendo por ele orientado. Ele nos convida a entender as manifestações tradicionais como mais do que poéticas; mas como comentário, tribuna e reivindicação daqueles que foram alijados dos processos hegemônicos da sociedade.
Por conta de seu pensamento, Edison foi perseguido e silenciado pela Ditadura Militar. Ele, que ocupava a presidência da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, foi imediatamente deposto, em 1º de abril de 1964. A própria Comissão Nacional de Folclore foi fechada, acusada de ser um antro de comunistas. Nada que enxergava a potência do povo era bem-visto durante um período de controle e dominação.
MESTRE CARNEIRO
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 4
Tipo: Gente
Elemento: Fogo
Habilidade:
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Efeito: Busca
Citação: "Jorge Amado o chamou de Jovem Feiticeiro. Coisa de quem entendia a magia do povo."
Artista: Caique Pituba
Fontes
– ARAGÃO, Iury Parente. Elos teórico-metodológicos da folkcomunicação: retorno às origens (1959-1967). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2017.
– CARNEIRO, Edison. Dinâmica do Folclore. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
– ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”: Edison Carneiro e o campo de estudos das relações raciais no Brasil. Tese (doutorado). Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2011.