Mestra Inezita

MESTRA INEZITA

Relatório

Ignez Magdalena Aranha de Lima foi seu nome de batismo. No entanto, foi com outra alcunha que a atriz, cantora, folclorista e, é claro, violeira entrou para a história da cultura popular brasileira: “Inezita Barroso”. Nascida em 1925 e filha de uma família tradicional paulista, foi a primeira a se tornar artista.

A trajetória, ela diria tempos depois, foi inevitável. A menina Inezita nasceu numa Quarta-Feira de Cinzas, em meio aos últimos ecos dos foliões do Cordão da Barra Funda, que festejava pelo bairro. Cresceu entre a cidade e as fazendas dos tios, fascinada pelo pontear da viola que embalava as catiras e a Folia de Reis.

“A melhor hora da fazenda era às cinco da tarde quando eu fugia da casa-grande e ia para o terreiro ver os peões se reunirem depois do trabalho para fazer a grande roda de violeiros. Iam chegando devagar, amarravam o cavalo, iam sentando aqui e ali, de repente a música começava, e não tinha muita hora para acabar. Foi aí que eu comecei a ouvir as primeiras músicas de viola. Eu aprendia com eles. Eu gostava tanto que não queria ir embora da fazenda, chorava para ficar mais e não voltar mais para a cidade quando acabassem as férias. E em São Paulo eu sonhava com o dia em que eu iria voltar para lá” (Jorge, 2012, p. 14).

Ainda assim, ela demorou a tocar viola. Violão foi seu primeiro instrumento, aos sete anos de idade. Naquela época, era muito malvisto que uma mulher tocasse viola caipira. Foi aprendendo escondido, em meio a aulas de música tradicionais, etiquetas e boas maneiras (que ela brincava nunca ter aprendido direito).

Seu sobrenome artístico, Barroso, vem do casamento com seu primeiro marido, Adolfo. Foi por meio de seu cunhado, locutor de rádio, que ela passou a frequentar a Rádio Tupi. E foi assim, aos 25 anos, que ela começou a se apresentar na radiofonia paulistana.

A música
Em 1998, foi homenageada pelo samba-enredo da escola de samba Pérola Negra, que estava no Grupo de Acesso e conquistou a terceira posição. O título do samba não poderia ser mais explicativo: “Inezita Barroso, uma trajetória de sucesso”.

Esse sucesso começou quase meio século antes. Ainda em 1951, Inezita lançou o primeiro de seus quase 100 discos, em 78 rpm. Nele, interpretava “Funeral de um Rei Nagô”, de Hekel Tavares e Murilo Araújo, e “Curupira”, de Waldemar Henrique, composta pelo maestro paraense 15 anos antes. Já dava mostras, desde o início, de sua vocação pela música inspirada pela nossa tradição oral.

Foi em Pernambuco que se assumiu uma artista profissional, quando foi convidada a se apresentar no Teatro de Santa Isabel. Inezita demorou a aceitar, pois estava no Recife apenas para colher temas folclóricos; não se via como cantora. Por insistência dos amigos, fechou três shows e ainda recebeu cachê.

Mais tarde, fez sucesso com sua interpretação de “A Moda da Pinga”, uma música do folclore dos violeiros paulistas que foi registrada por Ochelsis Aguiar Laureano e Raul Torres. Inezita fez gravações de músicas de Mário de Andrade, do folclore gaúcho, de sambas e até de pontos de candomblé.

Inezita não parou na música. Em 1977, por exemplo, criou um restaurante chamado “Casa da Inezita”, que funcionou na avenida Santo Amaro, em São Paulo. O lugar servia comidas típicas com nomes curiosos, como “Bife à Curupira”, “Arroz à Negrinho do Pastoreio” e “Filé de Peixe à Sereia”. Seu sonho era de que o lugar se tornasse uma escola de folclore.

Nunca conseguiu, mas chegou a ser professora da disciplina em algumas faculdades particulares. Pela Universidade de Lisboa, recebeu o título de doutora honoris causa em Folclore e Artes Digitais. Além de sua carreira musical, Inezita Barroso também atuou em alguns filmes e peças de teatro. Venceu, inclusive, o famoso Prêmio Saci de Cinema, em 1955.

Viola, minha viola
Na televisão, Inezita se tornou especialmente conhecida como apresentadora do programa “Viola, Minha Viola”. E olha que ela dizia que não era afeita à telinha. Inezita substituiu o músico e compositor Nonô Basílio ainda no começo dos anos 1980 e, até 1995, apresentou o programa em parceria com o radialista Moraes Sarmento. Depois disso, seguiu por quase 20 anos com o programa para si, até nos deixar em 2014.

O programa foi um dos grandes pontos de encontro, na grande mídia, para a música de raiz no Brasil. Mas que raiz seria essa?

“Percebemos que a musicalidade que aflora nos séculos XVIII e XIX foi gestada aos poucos em um lento cozinhar de fusões culturais, nas mãos e vozes dos bandeirantes, tropeiros e agricultores desbravadores. E esse lento cozinhar cultural, em que as informações vindas de locais e culturas diferentes que aos poucos se amalgamaram, é uma característica presente em toda a música brasileira” (Vilela, 2013, p. 62).

Durante muito tempo, a música caipira foi menosprezada como um saber menor; como acontece com tudo aquilo que é ligado às classes populares. No entanto, é nela que ouvimos o lastro de nossa história; os valores inegociáveis de solidariedade e pertencimento. Inezita permeou tudo isso, ultrapassando os preconceitos e inspirando cada vez mais mulheres a tocar viola e ocupar espaços que diziam não pertencer a elas.

MESTRA INEZITA
Pontos de Força: 1
Pontos de Vida: 5

Tipo: Gente
Elemento: Água

Habilidade:
Quando esta carta é invocada, você deve escolher uma carta Gente, do Beleléu, e invocá-la diretamente no campo.

Efeito: Resgate

Citação: "Com um toque de viola, ela fez um cateretê no céu."

Artista: Edgar Santo Moretti

Carta de Mestra Inezita com ilustração de Inezita, ela está sorridente, de vestido roxo, tocando violão. Ao fundo uma montagem com alguns elementos folclóricos.

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Fontes

– Itaú Cultural. Ocupação Inezita Barroso. São Paulo, 2017a.
– Itaú Cultural. No Gravador de Inezita. São Paulo, 2017b.
– JORGE, Valdemar. Inezita Barroso: com a espada e a viola na mão. 1. Ed. São Paulo/SP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012.
– MILAMI, Aloisio. Minh’alma está arada e loteada. Portal Anchieta, 2013.
– SOUZA, Tarik. MPBambas Volume 2. Rio de Janeiro: Kuarup, 2016.
– VILELA, Ivan. Cantando a própria história. Música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2013.