Mapinguari

MAPINGUARI

Relatório

De início temos o nome. É difícil cravar com certeza qual a etimologia do nome Mapinguari, afinal uma língua fundamentalmente oral pode dar origem a interpretações diferentes simplesmente a partir dos modos como se pronuncia e se escuta cada palavra. A principal suposição diz que o nome Mapinguari vem do Tupi-Guarani, e significa “Coisa com os pés torcidos” ou “Aquele que tem os pés torcidos”. O que é interessante porque essa, nem de longe é a característica mais marcante do mito do Mapinguari nos dias de hoje.

De qualquer maneira, historicamente não se pode dizer que o Mapinguari seja um mito dos mais antigos. Podemos ter este entendimento uma vez que os cronistas e naturalistas que estiveram na Amazônia nos primeiros séculos de colonização nunca registraram nada parecido em suas publicações, diferentemente do que ocorreu com outros mitos há muito estabelecidos como a boiúna, os curupiras ou caiporas.

Em verdade, os primeiros relatos de mapinguari vão datar da virada do século XIX para o século XX, coincidindo com o primeiro ciclo da borracha na Amazônia – em que a extração do látex levou a um boom econômico e populacional na região norte do país. E é justamente entre os seringueiros que encontramos alguns dos relatos mais antigos sobre o mapinguari: uma criatura gigantesca, semelhante a um símio com garras enormes e boca ainda maior e que perseguia e devorava os homens.

Grande indício de sua presença é o grito bestial que ecoa pela mata, acompanhado do barulho de galhos partindo. Seu cheiro também é muito referenciado, por vezes lembrando o do morcego, por vezes o de alho podre. Persegue indistintamente os seres humanos na mata e os devora, ora comendo primeiro a cabeça, ora aos pedaços.

Mas, afinal, como é este mapinguari? Sua aparência e habilidades são, a bem da verdade, uma grande amálgama dos mitos Bicho-Homem. As suas inúmeras descrições vão tomar emprestado tudo aquilo que o tornaria bestial. Dizem que é humanoide, mas gigantesco – variando de três a seis metros de altura –, parecendo um símio, com o corpo coberto de pelos longos e couro impenetrável. Esta invulnerabilidade às vezes entra na oralidade como se ele tivesse pelo corpo casco como o da tartaruga, couro reptiliano como o do jacaré ou mesmo pedras no peito e nas costas.

Seus pés, que mencionamos anteriormente, são por vezes virados ao contrário – como o curupira e outros seres da mata que usam desta estratégia para confundir os seus perseguidores. Outras versões, hoje as mais comuns, dizem que suas pegadas são redondas como mãos de pilão ou o fundo de uma garrafa – como um outro mito brasileiro, o pé-de-garrafa. E, também, como o pé de garrafa, há variáveis que falam que teria um pé só ou um só lado do corpo. Por isso falamos em amálgama.

Sua boca gigantesca, localizada no abdome, é frequentemente descrita como disposta na vertical – à semelhança do Quibungo, monstro tradicional entre os negros que vieram escravizados ao Brasil, com a diferença que a boca do quibungo fica nas costas. Ambas, no entanto, pela sua posição, remetem invariavelmente a uma vagina dentada. E é o que nos leva a pensar: o que ou quais tipos de comportamento o mito castra entre os homens?

O mapinguari possuí às vezes dois olhos, mas constantemente fala-se que possui apenas um, o que ressalta sua bestialidade. Se ter dois olhos é o padrão da medida humana, e o terceiro olho é o da vidência, da excepcionalidade, as imagens de um único olho vão remeter à bestialidade, à violência descontrolada dos que não distinguem adequadamente certo e errado, amigo de inimigo, isto ou aquilo.

Quanto ao seu ponto fraco, alguns dizem que é justamente no único olho, ou na boca – que se abre quando ele grita. Mas a descrição mais comum é a que fala do umbigo como sua fraqueza: uma constante entre os mitos bicho-homem. Resquício do cordão umbilical, é aquilo que liga o monstro à sua origem humana.

Mapinguari parece representar este medo atávico daquilo que nos desumaniza, nos torna monstruosos, cegos para o sofrimento afligido, castrador de nossas ações e desejos. Ainda assim, ao final, o umbigo sempre estará lá para lembrar que debaixo de todo o couro, cascos, pelos que nos tornam insensíveis, estará lá o espírito humano.

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