MACULELÊ
Relatório
Certo dia na cabana um guerreiro
Foi atacado por uma tribo pra valê
Pegou dois pau, saiu de salto mortal
E gritou pula menino,
Que eu sou Maculelê
Dança ou luta? Assim como a capoeira, o Maculelê é um pouco de cada. No entanto, há uma característica adicional nessa manifestação cultural típica do Recôncavo da Bahia: seus ares de folguedo. Mas, afinal, o que é Maculelê? Ou, antes ainda, o que significa este termo?
Existem versões de um “mito de origem” que orienta a manifestação. Alguns contam que a história começa na África, quando uma aldeia foi deixada sem seus principais guerreiros durante uma invasão. Em algumas versões, eram 22 guerreiros que restavam para proteger as mulheres e as crianças. Em outras, apenas um, chamado, justamente, Maculelê.
Armado apenas com pedaços de pau, Maculelê lutou bravamente, garantindo a proteção de seu povo. Quando os outros voltaram e descobriram o incrível feito passaram a celebrar o acontecimento, com uma dança que simulava os grandes momentos dessa luta. Variações deslocam a história para o Brasil, quando um guerreiro indígena, Maculelê, protegeu o povo negro (reforçando a ideia de que a tradição seria afro-indígena).
A etimologia de Maculelê é errática, e muitos trazem variações tão distintas quanto seu mito de origem. Há os que falam que o nome vem da junção de Macuas e Males, dois povos africanos que estariam em combate. Outros acrescentam que Lelê seria o nome dos cacetes que utilizavam nas batalhas – que, hoje, são chamados de “grimas” (talvez de “esgrimas).
Outra possibilidade é que a referência seja aos instrumentos que acompanhavam a dança/luta: “macu” viria de macumba, instrumento de percussão semelhante ao reco-reco. Já a sílaba final viria de um dos três atabaques utilizados, chamado “Lê” – o menor e mais agudo.
Historicamente, o Maculelê está ligado à cidade de Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Os primeiros relatos desta manifestação apontam para seu surgimento nas plantações de cana, no século XVIII ou XIX. Na época, tal como na capoeira, os negros fingiam estar louvando santos e orixás enquanto dançavam e lutavam maculelê – preparando o corpo para o enfrentamento.
O que sabemos desta história chega até nós graças ao mestre Popó do Maculelê, nome pelo qual ficou conhecido Paulino Aluísio de Andrade. Ele aprendeu com os antigos mestres – já negros forros, graças à lei do Ventre Livre – e, com base nas suas lembranças, passou em depoimento todo seu conhecimento ainda na década de 1940. Seguindo a influência religiosa, Mestre Popó levava o folguedo para as festas regionais, como às da padroeira. Assim, surge o Conjunto de Maculelê de Santo Amaro.
A relação tão imiscuída entre capoeira e maculelê gera algumas confusões, como a interpretação de que maculelê é uma prática da capoeira. Os mestres apontam que são duas coisas distintas, mas nascidas das mesmas necessidades. Um dos responsáveis por essa incorporação tão presente do maculelê pela capoeira foi Mestre Bimba, que – por sua notoriedade – constituiu um grupo de exibição em que apresentavam não apenas capoeira, mas também candomblé, samba de roda e, claro, maculelê.
Segundo o Mestre Popó, o Maculelê era dançado somente com as grimas. Hoje, no entanto, é comum que balés e grupos folclóricos que representem o maculelê utilizem também facões. As armas foram acrescidas como elemento estético, ampliando o espetáculo para o público. No entanto, é de se lembrar que, historicamente, não haveria como os escravizados dançarem usando armas de corte sob o jugo dos feitores. Há relatos antigos de um “Maculelê de Cana”, dançado com longos bastões de cana de açúcar no lugar das grimas.
Outro elemento também acrescido por motivos de performance é o próprio figurino. No passado, as roupas eram as clássicas calças de algodão cru, com o peito nu. Hoje, foram introduzidos os saiotes de sisal e, por vezes, mandalas de palha no peito – remetendo a elementos africanos. A pintura corporal também se complexificou, ganhando formas atualizadas.