LA URSA
Relatório
Um dos brincantes mascarados mais conhecidos do carnaval de Pernambuco é a chamada “La Ursa”. Nos registros mais antigos, entretanto, falava-se desta personagem apenas no masculino, como o “Carnaval dos Ursos”. Trata-se, nada mais, nada menos, de uma pessoa vestida com uma grande máscara de papel-machê na forma do animal, com luvas de couro, com garras nas pontas dos dedos (geralmente de arame), e um macacão em que se vão costurando pequenos retalhos de tecido, como se fossem os pelos. Em alguns casos, a fantasia fica tão enfeitada, que chega a pesar mais de 30 kg.
A tradição, dizem, tem raízes no Leste Europeu, onde, ao curso da Idade Média, era comum encontrar caravanas de viajantes com animais treinados, para performar ao som de violinos e tamborins em troca de dinheiro. Entre os Romani, parte do povo conhecido genericamente como ciganos, um clã carrega, inclusive no nome da família, essa cultura: os “Ursari”, “domadores de urso”.
Mais tarde, ao longo de toda a Europa, era possível encontrar esse tipo de entretenimento. Entre os italianos, já no século XVIII, também surge um grupo famoso pela sua doma: os “Orsanti”. Eles se apresentavam com macacos, camelos, mas, principalmente, com ursos – com quem simulavam lutas, para o delírio da plateia.
A prática persistiu de diversas maneiras ao longo dos séculos, inclusive na sua forma mais tradicional. Apenas em 2006, devido ao aumento da preocupação com o bem-estar animal, a cultura do urso dançarino foi amplamente proibida pela União Europeia. No entanto, em países não signatários, ainda há relatos de pessoas que treinam os ursos para fazer os movimentos que simulam a dança.
Ao longo dos séculos, outra forma que a tradição encontrou para se manter viva foi a substituição do urso-animal por uma pessoa fantasiada. É o que encontramos hoje em dia, na região da Moldávia, também Leste Europeu, onde o urso dançarino foi banido ainda durante o regime comunista, em 1998. Foi assim que, pouco a pouco, surgiu o Festival de Antigas Tradições e Costumes. Nele, homens e mulheres vestem peles de ursos, cantam e dançam acompanhados por um domador e um cigano. Os grupos vão de casa em casa para expulsar os maus espíritos e trazer a boa sorte.
A mesma estrutura encontramos no carnaval da La Ursa brasileira: um urso, um caçador, um domador – só que sem a função ritual. O que a La Ursa deseja a marchinha deixa bem claro, e não é afastar espíritos ruins. “A La Ursa quer dinheiro, quem não der é pirangueiro”, repetem os que acompanham o brincante. Pirangueiro é gíria com vários significados diferentes nos estados do Nordeste, mas, em Pernambuco, especificamente, significa pão-duro, muquirana.
O registro mais antigo de Urso em Pernambuco data de 1817 e foi feito por um viajante francês chamado Louis-François de Tollenare. Ele fala sobre uma brincadeira em que dois mascarados dançavam, enquanto um caçador usava um pedaço de pau para fazer as vezes de espingarda e de azagaia (uma espécie de lança). O francês não fala de terem pedido dinheiro, mas conta que distribuiu uma dose de cachaça para todos os presentes.
Estima-se que a primeira grande migração de ciganos, vinda dos Balcãs para o Brasil, deu-se no fim do século XIX, trazendo alguns animais exóticos. Gilberto Freyre registra que, em Pernambuco, as crianças de engenho encontravam, junto dos ciganos, “ursos verdadeiros, ou então fingidos − só a pele por cima de um homem − que dançavam ao som de pandeiros, e […] macacos ou macacas grandes, vestidas de sinhás, cheias de laços de fitas que também dançavam e faziam graças”.
E de onde vem o nome do brincante “La Ursa”? Algumas pessoas vão dizer que vem do italiano, ao que gramaticalmente não se corresponde. Afinal, na língua, o correto seria “orso”. Ocorre que, na década de 1960, era comum que o domador fosse também chamado de “italiano”, e era ele o responsável por dar chicotadas no mascarado, com instruções em português estrangeirado: “Anda, la ursa! Anda, la bicha!”. Uma paródia, então, deu origem à gramática que só existe para a brincadeira.
Hoje em dia, a La Ursa faz parte oficialmente da programação de carnaval da prefeitura do Recife. Existem agremiações, como blocos carnavalescos, que disputam, ano após ano, prêmios em dinheiro, e que lutam para subir ou se manter no grupo especial, grupo 1, grupo 2 e grupo de acesso. Sua máscara se tornou tão icônica, que entrou para a cultura pop.
LA URSA
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 1
Tipo: Gente
Elemento: Terra
Habilidade:
Quando esta carta é invocada, seu oponente deve enviar uma carta da Mão para o Beleléu.
Efeito: Quebrando
Citação: "A La Ursa quer dinheiro, quem não der é pirangueiro."
Artista: Bruna Andrade
Fontes
– FREYRE, Gilberto. Nordeste. Aspectos da Influência da Cana sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste do Brasil. São Paulo: Global, 2013.
– PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Folclore Pernambucano. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908.
– REAL, Katarina. O folclore no carnaval do Recife. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura (Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro), 1967.
– TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. História dos Ciganos no Brasil. Núcleo de Estudos Ciganos: Recife, 2008.
– TILDEN, Imogen. Romania’s new year bear dancers – Alecsandra Raluca Dragoi’s best photograph. The Guardian. 8 Jan. 2020.
– TOLLENARE, L. F. Notas Dominicaes – Tomadas durante uma residencia em Portugal e no Brasil nos annos de 1816, 1817, 1818. Empresa do Jornal do Recife: Recife, 1905