Iara

PROMESSA DA IARA

Relatório

Metade mulher, metade peixe, dotada de uma beleza estonteante e capaz de levar os homens à perdição com um simples olhar. Apesar de ser certamente um dos mitos mais populares do Brasil, frequentemente relacionado à cultura indígena, a Iara – da forma como a conhecemos – surge já a partir da relação com os colonizadores portugueses.

Em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, Câmara Cascudo era categórico: “Nenhum cronista do Brasil colonial registra a Mãe-d’água como sereia, atraindo pelo canto ou simplesmente transformada em mulher. É sempre o Ipupiara, feroz, faminto e bruto”. Ipupiara é um dos primeiros mitos registrados no país, já mencionado pelo padre José de Anchieta em 1560. Os relatos falam de uma criatura marinha monstruosa, brutal, dotada de longos bigodes e frequentemente masculina.

É só no século XIX que surgem os primeiros registros de uma Y-Iara, “senhora das águas” em Tupi. O curioso é que já não se fala que a visagem é horrenda, mas belíssima; não é violenta, mas suas vítimas morrem do mesmo jeito. Iara é uma versão eufemizada do Ipupiara, que une o mito do Monstro das Águas com o imaginário da sereia europeia, em voga graças aos poetas românticos do período.

Por conta da influência do romantismo, é curioso ver como Iara é frequentemente descrita como sendo completamente estrangeira. Para Gonçalves Dias, é “bela criatura de longos cabelos d’ouro””. Para Melo Morais Filho, elas aparecem “”mais alvas que dentes das antas, mais louras que a pele das onças””. Isso sem falar em Olavo Bilac, que se derrama em amor ilusório pela criatura de cabeleira de ouro, verdes olhos úmidos e seio alvo e macio. A influência europeia é nítida; e todas as interpretações artísticas de uma iara com traços indígenas são dos tempos mais contemporâneos.

Para Jesus Paes Loureiro, grande pesquisador do imaginário amazônico, não está nem no canto e nem no corpo a grande fonte do poder da iara, mas sim em seu rosto. “Os outros mitos da Amazônia se expressam pelo corpo inteiro”, escreve ele. “Mas a iara é realidade de seu rosto. Uma síntese de uma lenda de alma indígena revelada num rosto europeizado”.

Contam os informantes de Paes Loureiro que aquele que vê o rosto da Iara jamais poderá esquecê-lo. “Mais cedo ou mais tarde acabará por se atirar no rio em sua busca, levado pelo desejo ardoroso de juntar seu corpo ao dela”. Dizem que Iara canta promessas de uma vida eterna ao seu lado no fundo das águas, levando os incautos a se perderem eternamente em seus domínios.

É bastante recorrente em sites de busca e nas redes sociais uma versão da lenda da iara que tenta criar para ela uma origem indígena. Nesta história, Iara seria uma bela e corajosa guerreira que de tão habilidosa acabou atraindo a inveja dos irmãos que a atacaram em emboscada. Iara sobreviveu, mas acabou matando os irmãos ao se defender. Desgostoso, o pai a sentenciou a morte e seu corpo foi lançado no Rio Solimões. Com pena da moça, os peixes pediram a lua que olhasse por ela. Assim, ela renasceu como Iara, a sereia brasileira.

Apesar da mensagem edificante e empoderadora, não foi possível encontrar a fonte desta história em nenhum relato: nem dos cronistas antigos, nem entre as comunidades interpretativas dos antropólogos e pesquisadores contemporâneos. Seu único registro é um blog do início dos anos 2000, o que nos faz acreditar que a narrativa seja puramente uma criação ficcional e não pertença à cultura popular de povo algum.

Hoje em dia é comum Iara e Mãe D’água serem tidos como sinônimos. Porém o mito da Mãe D’água é muitas vezes descrito como uma visagem sem forma definida, como um espírito elemental da água. No começo do século XIX, o botânico e antropólogo Von Martius registra a narrativa de uma “Paranamaia”, Mãe D’água na tradução que apresenta, que tinha forma de serpente. Um simbolismo muito comum, já que por vezes a cobra é tida como metáfora viva para o próprio rio.

Há ainda relatos de quem veja na Mãe D´água uma velha, enquanto Iara é uma moça. Mãe D’água é silenciosa enquanto Iara tem voz e canta. Ou ainda que Mãe D’água é feia e tímida enquanto Iara é uma linda visagem. Tudo vai variar da região onde se ouve a história.

PROMESSA DA IARA

Tipo: Desafio
Elemento: Firmeza

Condição de Vitória:
Some 12 ou mais PVs do seu lado do campo. Quando o valor for atingido, todas as suas cartas em campo vão para o Beleléu.

Especial:
Apenas cartas Visagem contam na pontuação para enfrentar o Desafio.

Artista: Rafael Limaverde

Carta de Promessa da Iara. Com ilustração da Iara, uma moça semelhante a uma sereia, com cauda de peixe sentada em uma pedra cercada de água e arvores mais a fundo. Ela tem cabelos vermelhos, uma flor na cabeça, pele azulada cauda roxa. Ela está olhando para a lua cheia.

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Fontes

– CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2012.
– CASEMIRO, Sandra Ramos. A lenda da iara – nacionalismo literário e folclore. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. São Paulo, 2012.
– HAUG, Martha Johanna. Espíritos da Água: Nossa Senhora da Guia, Cuiabá-MT. In: UNICiências, v. 9, p. 73-88, 2005.
– LOUREIRO, José de Jesus Paes. Cultura amazônica: Uma poética do imaginário. Belém: Cultural Brasil, 2015.