Ilustração: Jean Lins
GUERREIRO DE ALAGOAS
Relatório
Mestre Pedro, eu saí de Penedo
Domingo bem cedo, às seis horas.
Só agora é que estou recordando
Sou alagoano onde o Guerreiro mora.
Me lembrei de Palmeira dos Índios
Pra lá vou seguindo agora.
Sou devoto de Nossa Senhora,
Sou alagoano onde o Guerreiro mora.
– Guerreiro Alagoano
“Guerreiro! Cheguei agora. Nossa Senhora é nossa defesa!”. É assim que os brincantes anunciam sua chegada. Os Guerreiros se apresentam para a batalha simulada, cada qual ostentando sua vestimenta mais distinta: enormes chapéus imitando catedrais, dardejados de miçangas e pedrarias. Os adereços chegam a pesar até 15 kg.
Guerreiro é um folguedo típico do estado de Alagoas que surge em tempos relativamente recentes em comparação a outras festas que já fazem parte do nosso calendário cultural desde o período colonial. Seu início se deu nos anos 1920, a partir da mistura de elementos de outros folguedos, como Reisados, Cheganças e Pastoris.
Tradicionalmente acontece durante o Ciclo de Reis. Em verdade, alguns autores comentam que, em Alagoas, houve uma “transição” dos Reisados para o auto dos Guerreiros
Câmara Cascudo registra que assistiu a um destes autos em Maceió, 1952. Na época, os personagens eram humanos e não-humanos. Havia rei, rainha, mestre e contramestre, primeiro e segundo embaixador, general, “índio Peri”, os vaqueiros Mateus, palhaços e sereias.
Na vertente registrada por Artur Ramos, o elenco era muito maior ,e especialmente entre personagens não-humanos: estrela, borboleta, Lira, etc. Havia um enredo mais claro para o auto, que consistia na morte e ressureição da Lira e na luta de espada entre os indígenas e os vassalos dos guerreiros. Conforme alguns pesquisadores, o nome Lira é corruptela de “Lília”. A referência parece ser a uma personagem típica do cancioneiro português:
Minueto de Lereno, 1798
Lilia, oh Lilia, tu não escutas, soar nas grutas o meu clamor!
Não me apareces, não te enterneces da minha dor?
Lilia, oh Lilia, morro de amor!
Lilia, oh Lilia, lá de onde assistes, ouve os ais tristes do teu Pastor:
Não tardes mais, vem aos meus ais e ao meu clamor.
Lilia, oh Lilia, morro de amor!
Mas com tantos personagens, como o enredo se desenvolve? Na sua dissertação “Guerreiro Alagoano – corpo e pedagogia multirreferencial, Cláudio Antônio da Silva resume:
“Os personagens centrais vão contando as histórias que são cantadas, assim o espetáculo constitui-se por uma sequência de músicas dançadas, chamadas de Peças que são antecedidas e finalizadas por cantigas e danças características do Reisado e intercaladas pelas Marchas, músicas cantadas ou não, a qual o sanfoneiro toca acompanhado por um tambozeiro, um tocador de triângulo e o grupo executa a coreografia. Na sequência acontecem as Partes, as Embaixadas e os Entremeios. No início do espetáculo os membros do Guerreiro rezam o Divino, parte que ajoelham e homenageiam Jesus Cristo. Esse ato de adoração ao Divino é ritualístico, é um agradecimento espiritual”.
Eu, esse ano, vou pra Maceió
Vou pro farol, guerreiro campeão
eu vou rever o meu guerreiro amado
vou dançar trajado na televisão