DUELO DE REPENTE
Relatório
“Repente” é uma modalidade de poesia cantada típica dos estados do nordeste, onde é também conhecida como “Cantoria”. Muitas vezes acompanhada de música, é uma demonstração de habilidade e improviso do cantador, que deve seguir uma série de normas métricas que variam de região para região.
Em 2021, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) registrou o repente como patrimônio imaterial brasileiro. Em seu dossiê, constam mais de 50 modalidades de repente, inclusive as duas mais conhecidas: a de versos heptassílabos e a de versos decassílabos. No primeiro caso, além de rimar é obrigatório que o acento tônico da frase esteja na sétima sílaba do verso. No segundo caso, o acento está na terceira, na sexta e na décima sílaba.
Como escreve Câmara Cascudo em seu livro “Vaqueiros e Cantadores”, os repentistas não podem resistir à sugestão poderosa do canto, da luta, da exibição intelectual ante o público. “Caminham léguas e léguas, a viola ou a rabeca dentro de um saco encardido (…) ruminando o debate, preparando perguntas, dispondo a memória. São cavaleiros andantes que nenhum Cervantes desmoralizou”.
O pesquisador não estava exagerando. O nome dos cantadores tornava-se notório, circulava de boca em boca, sua fama aos níveis do lendário. E quando isso acontece, o que o povo mais aguarda é a disputa entre os grandes. Não é por acaso que embates entre cantadores permanecem na memória popular mais de um século depois.
Duas das disputas mais conhecidas envolveram mais do que a habilidade de rima dos seus cantadores. Foram pelejas que entraram para a história também por questão de raça. É o caso da notória disputa entre o negro Inácio da Catingueira contra Romano da Mãe d’Água na Paraíba (1874) e de Zé Pretinho dos Tucuns, versador do Piauí, e Cego Aderaldo, famoso repentista no Ceará em 1914.
Em ambos os casos as ofensas são intensas, e não tarda para os brancos tentarem se valer de condição de raça para minimizar o outro. “Negro, cante com mais jeito, Veja sua qualidade / Eu sou branco e sou de vulto / Perante a sociedade / Em vir cantar com você / Baixo de dignidade”, dizia Romano. Apenas mais um dos tantos exemplos do que os cantadores negros precisaram enfrentar durante suas disputas, valendo-se da inteligência para ganhar o público que já estava contra eles.
Na disputa contra Cego Aderaldo, que chega até nós pelo folheto de cordel escrito por Firmino Teixeira do Amaral, Zé Pretinho acaba perdendo o embate. Ao final da disputa, os cantadores começam a se desafiar a repetir um trava-línguas no meio da canção e Zé não teria conseguido encaixar na rima o clássico “Quem com cara paca compra, paca cara pagará”.
Já Inácio da Catingueira foi levando Romano ao limite a cada nova rima, que chega ao clímax quando o último tenta mostrar sua brabeza: “Romano quando se zanga, / Treme o Norte, abala o Sul…”.
Mal termina a estrofe, Inácio retruca:
“Pois Inácio, quando canta,
cai estrela, a terra treme.
O sol esbarra o seu curso,
o mar se balança e gene.
Cerca-se o mundo de fogo
e nada disso o negro teme”.
DUELO DE REPENTE
Tipo: Desafio
Elemento: Firula
Condição de Vitória:
Envie uma carta da Mão para o Beleléu e faça uma rima com ela. O oponente pode fazer o mesmo e contra-atacar. Descarte outra carta e repita, até que ele desista ou você tenha rimado três vezes.
Especial:
O tempo para rimar é do bom senso. Quem demorar muito perde!
Artista: Rafael Limaverde
Fontes
– ANDRADE, Mário. Aspectos do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2019
– CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. São Paulo: Global, 2005