Ilustração: Zambi
DUELO DE IMPROVISO
Relatório
Chegando Manoel Raimundo
Numa casa em Pedra Fina,
O povo estava ansioso
Pra ver a carnificina,
Perguntaram se queria
Cantar com Manoel Campina
Respondeu Manoel Raimundo:
Canto, pois não, sim senhor,
Sou novo na cantoria
Mas não temo cantador
Depois que me esquenta o sangue,
Canto seja com quem for.
Mandaram chamar Campina
Depois pegaram a dizer:
A surra que esse homem leva
Faz vergonha a quem vai ver,
A macaca de Campina,
É danada pra doer.
Depois chegou o Campina
Com a viola na mão,
Pedindo ao povo da casa,
– Me aponte o valentão,
Eu quero tirar-lhe a fama
No lapo do cinturão.
– Peleja de Manoel Raimundo com Manoel Campina,
Por João Martins de Ataíde, 1941
Duelos de improviso é um elemento bastante frequente na cultura popular brasileira. São, em resumo, demonstrações de habilidade do poeta popular, em que ele precisa reunir ritmo, raciocínio rápido, carisma e métrica. Encontramos esta constância em cantorias de repente, duelos de viola e, nos dias de hoje, batalhas de MCs que fazem tanto sucesso nas redes sociais.
Alguns autores traçam uma relação valiosa entre o improviso na música e a cultura negra. Enquanto por muito tempo a música clássica teve uma estrutura rigorosa, desencorajando arroubos de criatividade espontâneos, os negros mantiveram essa liberdade nos gêneros populares como choros e sambas de partido-alto no Brasil, ou com o jazz e o blues nos Estados Unidos.
A dualidade entre rigor do clássico com o improviso não deve ser entendido como uma disputa entre técnica e a falta dela. O improviso também obedece regras, e aquele que não as cumpre é mal-visto entre os seus pares. Outra potência no improviso está no enfrentamento à fixação. Como nos lembra Paul Zumthor, improvisar oferece a liberdade de retocar o texto incessantemente – como mostra a prática dos cantadores.
Para facilitar os diálogos cantados, alguns recursos de fazem necessários. Um deles é o chamado “modelo responsorial”, em que um refrão proposto pelo cantador é repetido pela plateia. Com uma parte da rima garantida, as variações se concentram neste entremeio.
Outra estratégia frequente está na relação com a performance. Talvez a rima não seja boa, talvez os versos não se encaixem, mas se tiverem apoio do público, o cantador sairá vitorioso da mesma maneira. Estar atento à plateia e responder às suas expectativas é uma estratégia frequente.