DESPERTAR DE JOÃO
Relatório
Parte do ciclo da festa junina, João é certamente um dos santos mais conhecidos do Brasil. Sua figura, frequentemente representada como uma criança de cabelos encaracolados, vestes pastoris e um lindo cordeirinho difere muito do profeta grave e de fim trágico que teria sido. Como este santo, seja criança, seja velho mestre, parte da Jordânia para inspirar uma festa caipira aqui no Brasil?
Os caminhos da cultura são muitos. Para começar precisamos entender quem foi João, o Batista. O último dos profetas, ele nasce seis meses antes de Jesus para preparar seu caminho. Seu nascimento, por si só, já seria um milagre. Sua mãe, Isabel era uma mulher de idade e nunca havia tido uma criança. Quando o anjo apareceu para seu pai, Zacarias, a descrença foi tanta que o homem acabou ficando mudo como castigo por duvidar dos desígnios divinos.
João, mais tarde, se tornaria um grande pregador no deserto – convertendo muitos com suas palavras. Dois momentos-chave marcam sua vida adulta: a batismo de Jesus, que ele realiza mergulhando-o nas águas do Rio Jordão; e sua execução por Herodes. O profeta já estava preso por ter pregado contra o rei, mas dizem que foi um pedido da princesa Salomé que selou de vez sua condenação. São João foi decapitado e teve sua cabeça entregue como presente. Cabeça esta que, ainda hoje, algumas igrejas pela Europa alegam possuir preservadas na forma de relíquia.
Luiz Antônio Simas aponta que João está sempre com um cordeirinho em referência a ter sido ele a batizar Jesus, o cordeiro de Deus. E apesar de, em certos países do mundo, a decapitação de João ser uma data celebrada no calendário cristão (29 de agosto), no Brasil nos centramos não na morte, mas na vida. Não no santo morto, mas na criança que nasceu de um milagre. É o ciclo que recomeça e renasce.
A relação começa a se estabelecer quando percebemos os diálogos com as festas de solstício. Por conta dos movimentos de rotação e inclinação da terra, existem momentos do ano em que um dos hemisférios do planeta recebe muito mais sol do que o outro. No solstício de inverno, as noites são mais longas; no de verão, temos os dias mais longos que as noites. Como a Terra demora 12 meses para fazer seu giro completo, a distância entre os dois solstícios é de exatamente seis meses. A mesma distância que separou o nascimento de João e Jesus. Por isso temos o Natal no 25 de dezembro e o Dia de São João no 24 de junho.
Na Bíblia não existe nenhum lugar dizendo que Jesus nasceu efetivamente dia 25 de dezembro. Essa data foi uma convenção, discutida depois de muita interpretação dos textos. O que guiou essa leitura foi uma frase dita por João. Depois que seus discípulos descobrem que Jesus, que havia sido batizado por ele, agora também estava batizando pessoas, seu primo esclarece: “É necessário que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). Na metáfora, seria uma forma de entender o avanço da noite no Hemisfério Norte, que vai ficando mais e mais longa até chegar ao seu ápice no dia 21 de dezembro. A igreja celebra Jesus no dia 25 pois é quando o sol torna a subir, vencendo a escuridão.
No Brasil, por outro lado, estamos no Hemisfério Sul. O dia mais escuro do ano ocorre justamente nas proximidades do São João, que vem romper as trevas com suas fogueiras. Com o fim das noites mais longas, o momento é de celebrar com muita fartura, comida, bebida, música e dança. A sazonalidade explica as festas de colheita que existem em todos os povos no mesmo período. Acompanhando a ideia da fertilidade da terra vem as celebrações da vida: prendas, casamentos falsos, barraca de beijo, correios elegantes para os apaixonados.
Uma tradição que remete à vida do Santo é a prática de banhá-lo nas águas do rio. Os festeiros carregam uma estátua do santinho em um andor até um rio famoso na cidade e banha-se junto com ela nas águas pedindo suas graças. Durante o trajeto, é comum passar embaixo do andor também para pedir por sua intercessão (especialmente casamentos). Depois do banho do santo, os devotos celebram com muita festa.
No entanto, o santo é conhecido mesmo pela sua ligação com o fogo. Tanto que é sincretizado com o orixá Xangô – que, inclusive, partilha com ele o dia da festa, no 24 de junho. Acender fogueiras e estourar fogos de artifício em sua homenagem viraram sinônimos de festa de São João. Balões também, até serem proibidos, faziam parte da manifestação. Mas qual seria o motivo?
Uma das explicações tradicionais aqui no Brasil diz que acendemos fogueira de São João em homenagem ao seu nascimento. Conta-se que nos tempos bíblicos Isabel, mãe de João, e Maria estavam grávidas ao mesmo tempo. Como moravam em casas distantes, a primeira que ganhasse bebê deveria anunciar as novidades acendendo uma grande fogueira em frente de casa. João Batista nasceu primeiro e sua mãe cumpriu com o prometido.
No entanto, no livro Legenda Dourada, que reuniu no século XIII, já se falava que a tradição existia na Europa. O comum, na época, era acender fogueira com ossos de animais para espantar espíritos e dragões. A referência é que os ossos de João teriam sido queimados pelos infiéis depois de sua morte.
Câmara Cascudo, no entanto, aponta para outra tradição que nos lembra do pedido feito na cantiga: “São João está dormindo Não acorda, não! Acordai, acordai, acordai, João!”. Isabel, mãe de João, colocaria seu filho para dormir de propósito justamente na data do seu aniversário. O pesquisador explica:
“O santo, segundo a tradição, adormece durante o dia que lhe é dedicado tão ruidosamente pelo povo, através dos séculos e países. Se ele estiver acordado, vendo o clarão das fogueiras acesas em sua honra, não resistirá ao desejo de descer do céu para acompanhar a oblação, e o mundo acabará pelo fogo”.
Ainda assim, brincamos com o perigo. Acendemos fogueira, estouramos rojões, tudo para fazer o santo descer e vir festejar conosco.
DESPERTAR DE JOÃO
Tipo: Desafio
Elemento: Firmeza
Condição de Vitória:
Some 12 ou mais PVs do seu lado do campo. Quando o valor for atingido, todas as suas cartas em campo vão para o Beleléu.
Efeito:
Envie uma carta para o Beleléu, para poder enfrentar o Desafio.
Artista: Daniel Brás
Fontes
– CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2002.
– SIMAS, Luiz Antônio. Santo de casa: fé, crenças e festas de cada dia. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2022.
– VARAZZE, Jacopo de. Legenda Áurea. Vidas de Santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.