Ilustração: João Queiroz
CABOCLO DE LANÇA
Relatório
Existem dois tipos de Maracatu: o Nação, ou de baque virado, e o de Orquestra, ou de baque solto. Este último ficou mais conhecido como Maracatu Rural, marcando sua distinção com o Nação que se desenrola na região metropolitana do Recife. O Maracatu Nação foi o primeiro a surgir, com registros ainda no século XVIII, e durante muito tempo era comum se dizer que ele tinha fundamentos religiosos enquanto o Rural era mais profano. Isso já não é verdade. Em Nazaré da Mata, Terra do Maracatu, encontramos muitos folguedos fundamentalmente religiosos, incorporando a Calunga e seus rituais de preparação tanto quanto na capital. Por outro lado, também começam a surgir Maracatus cristianizados, em que religiões afro são abolidas de dentro do grupo.
Em Nazaré da Mata, terra do Maracatu Rural, a figura principal do Maracatu é o Caboclo de Lança – dotado da virilidade e da militarização, ele também que veste um surrão pesado e quente que exige força física para ser carregado.
Ápice do masculino é o Caboclo de Lança. Do feminino a Dama do Paço. Ambas as funções exigem “pureza”: abstinência sexual em ambos os casos; não estar menstruada no caso das mulheres. Quem não cumprir com a ritualística será incapaz de seguir na folia: terá fortes dores, diarreia, vômito. O corpo precisa estar pronto e, para isso, é preciso preparo.
Uma das tradições entre os caboclos de lança é a ingestão de uma mistura de ervas, limão, cachaça e pólvora que fica enterrada por sete dias antes de ser consumida – o Azougue. O nome é o mesmo do mercúrio sólido, usado no candomblé e umbanda para assentamentos de Exu. Dizem que a bebida é reminiscência das guerras, usada para curar a falta de coragem nas guerras do Paraguai, Cisplatina e Canudos.
Vale lembrar que a figura do lanceiro é suavizada por uma flor que ele carrega na boca, evocando essa presença do feminino no masculino; da brutalidade da guerra e da suavidade do sentimento. A dualidade é intrínseca ao Maracatu.
A lança (ou Guiada) é um instrumento sagrado, feito pelo próprio caboclo ou por algum mestre que o presenteia. Ela não pode ser tocada por outros, especialmente por mulheres, sobre o risco de perder seu poder.
A calunga, por outro lado, passa de mão em mão antes da partida do cortejo, até chegar à dama do paço. Mais uma disparidade entre feminino e masculino que vale a pena observar. Pedidos de proteção individual também acontecem na forma de “calços”, simpatias feitas pelos festeiros em paralelo ao cortejo.