Boto Cor de Rosa

BOTO COR DE ROSA

Relatório

“[…] já houve causo por aqui de até mulher casada engravidar de boto. E pra completar ela foi no cartório para registrar o filho com o nome do pai, o Boto, mas o Seu Raimundo, o oficial do cartório, não registrou, porque ele disse que precisava da presença do pai”
– Depoimento de Vanderval dos Santos, no livro “Cultura cabocla-ribeirinha”, de Therezinha Fraxe, 2004

O mito do Boto sedutor é provavelmente um dos mais conhecidos da cultura popular brasileira. Ainda assim, de uma perspectiva histórica, ele não é dos mais ancestrais. Quando acompanhamos as anotações dos cronistas do Brasil Colônia, notamos que as primeiras menções de um boto capaz de assumir feições humanas datam apenas do início do século XIX. O animal, no entanto, há muito já inspirava outras narrativas entre os povos indígenas. Ainda assim, aquela que provavelmente você mais conhece circula pelo nosso país há pouco mais de 200 anos.

Nessa época, quando a narrativa que conhecemos ainda estava se estabelecendo, a própria forma humana do animal ainda era incerta. Nos registros do naturalista e explorador inglês Henry Walter Bates, por exemplo, falava-se que o Boto virava uma bela mulher, a qual prendia os homens entre suas pernas para, logo em seguida, afogá-los no fundo do rio.

Nos dias de hoje, a história mais conhecida é a de que o Boto-Vermelho (nome científico: Inia geoffrensis) assume a forma de um homem. Sim, Vermelho é o modo como ele é conhecido nas comunidades ribeirinhas. Boto-Cor-de-Rosa, costuma-se dizer, é o nome midiático que o animal recebeu depois que os programas de TV voltaram seus olhos para a Amazônia. E, sobre o Vermelho, há várias versões a respeito de sua aparência, mas, normalmente, ele é descrito como um homem branco, com roupas claras e elegantes – acompanhado de um chapéu que não tira, por nada, da cabeça.

O acessório mascara o único detalhe de sua anatomia que ele não consegue esconder: o espiráculo. Este é o nome daquele respirador no topo da cabeça que todo golfinho, baleia e, é claro, boto têm. É isso que revela sua verdadeira natureza animal. Em algumas versões, cada uma das peças de roupa do Boto é feita de um peixe do rio, transformado por seus poderes ilusórios. O chapéu é uma arraia, os sapatos são peixes cascudos e assim por diante. Quando o encantado porventura morre em terra firme, a forma animal logo toma conta, revelando a verdadeira origem de todos.

O Boto ser descrito como homem branco tem motivo. Ele é a representação, no imaginário, do estrangeiro; da pessoa que vem de fora da comunidade, com roupas bonitas e palavras doces. É aí, no entanto, que mora o perigo. Afinal, depois de seduzir seu objeto de interesse e conseguir o que quer, o Boto desaparece sem olhar para trás. Não é por acaso que são notórias as figuras dos filhos do Boto: crianças sem pai, metáforas para o abandono.

Como o imaginário popular é atravessado por variações, é possível encontrar algumas versões de botos que se transformam em mulher, e outros que seduzem igualmente homens e mulheres e os levam para sua terra, no fundo das águas. É mais um entrecruzamento com o mito da Iara e da Mãe-d’Água.

Recentemente, tem havido algumas interpretações apressadas de que o mito do Boto teria sido inventado para ocultar situações de abuso infantil nas comunidades ribeirinhas. Quanto a isso, é preciso cuidado. É possível que, em alguma situação, isso realmente tenha acontecido, mas o mito precede suas deturpações – e não o contrário. Se fosse apenas questão de inventar um culpado, por que o Boto? Por que justamente o Boto?

Veja, por exemplo: desde a Antiguidade, os golfinhos já eram tidos como animais ligados à Afrodite, a deusa do amor. Por quê? E como isso se liga aos nossos botos namoradores? O imaginário constrói esta explicação que une observação da natureza, biologia e imaginação. Os pesquisadores apontam para duas coisas: a primeira é seu corpo comprido, com cabeça arredondada e um respirador bem no topo, de onde ejeta água de maneira sugestiva. A segunda é o movimento que o animal faz, subindo e descendo, lembrando a rítmica sexual.

O professor Jesus Paes Loureiro conta uma narrativa de origem indígena, mas infelizmente não aponta de qual etnia ela pertenceria. Na história, o primeiro boto seria o filho de uma indígena Tapuia* com uma anta. Por isso, o órgão sexual do Boto é tão viril e utilizado ainda hoje em feitiços e simpatias.

*Tapuia era um termo utilizado para se referir a indígenas que não falavam o Tupi antigo. Não se refere a um povo específico.

BOTO COR DE ROSA
Pontos de Força: 2
Pontos de Vida: 3

Tipo: Visagem
Elemento: Água

Habilidade:
Quando esta carta é invocada, você deve tirar Cara ou Coroa. Se acertar, tome controle de uma carta Gente, do oponente, até o Desafio atual ser vencido.

Efeito: Encanto

Citação: "Foi boto, sinhá. Foi boto, sinhô. Que veio tentar e a moça levou..."

Artista: Nilberto Jorge

Carta do Boto Cor de Rosa com ilustração mostrando um homem sorrindo, de pele levemente rosada, ele veste roupas brancas, uma bermuda, uma camisa aberta com mangas enroladas, e um chapéu com faixa rosa. Ele está deitado em uma rede, segurando uma latinha de bebida. Está em um cenário de madeira com uma cerca ao fundo, mais a fundo a paisagem de um rio em uma noite com iluminação roxa.

Baixe a imagem em HD

Fontes

– BATES, Henry Walter. The naturalist on the river amazons. New York: J M Dent & Sons, 1864.
– CARVALHO, José. O matuto cearense e o caboclo do Pará. Belém: Officinas Graphicas, 1930.
– CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2012.
– FARES, Josse. O boto, um Dândi das águas amazônicas. Moara – Revista dos Cursos de Pós-Graduação. Belém, n. 5, p. 46-63, 1996.
– FRAXE, Therezinha de Jesus. Cultura cabocla-ribeirinha: mitos, lendas e transculturalidade. São Paulo: Annablume, 2004.
– SIMÕES, Maria do Socorro; Golder, Christophe. Belém conta. Belém: UFPA, 1995a.
– SIMÕES, Maria do Socorro; Golder, Christophe. Santarém conta. Belém: UFPA, 1995b.