BOITATÁ
Relatório
Aí o pessoal na praia quando a turma viajava de canoa pra Paranaguá diz que tinha muito baitatá. Baitatá diz que ele saía da parte do mangue assim da beira do mangue, lá perto de Paranaguá, diz que saía aquela tocha de fogo e vinha assim pingando fogo, né, e passava por perto do canoeiro, jogando aquela faísca de fogo, mas não… não prejudicava, né, só assustava, tinha que ter muita coragem pra resistir.
– Registro colhido por Vanderci Aguilera
Dizem que o Boitatá é um dos mitos mais antigos do imaginário brasileiro. Será mesmo? O fundamento para isso é a menção na carta escrita pelo padre José de Anchieta, em 1560. Nela, ele escreve: “Há também outros (fantasmas), máxime nas praias, que vivem a maior parte do tempo junto do mar e dos rios, e são chamados Baetatá, que quer dizer ‘coisa de fogo’ […]. Não se vê outra coisa senão facho cintilante correndo para ali; acomete rapidamente os índios e mata-os, como os curupiras: o que seja isto, ainda não se sabe com certeza”.
Um fantasma, um facho cintilante, uma forma indefinida. Afinal, o nome registrado vem do Tupi, Mbae-tatá, e significa “coisa de fogo”. Sua derivação que aparece posteriormente é a Mboi-tatá, “cobra de fogo”. A oralidade, lembramos, é marcada pela inexistência de fixação. Não existe certo e errado, existe a forma como o povo escuta e se apropria. É por isso que a “coisa” dá origem à “cobra”, oferecendo forma de serpente para o fantasma luminoso. E é também por isso que temos registros de Boitatás com forma bovina, já fruto da expansão colonizadora.
Em comum, todas as variantes têm como elemento marcante o fogo-fátuo – fenômeno que decorre da decomposição da matéria orgânica em regiões úmidas, como pântanos, charnecas, praias e mesmo cemitérios. Os gases resultantes do corpo decomposto geram uma substância fluorescente que brilha sob a luz da lua, como se fosse uma chama fantasma. É esta a inspiração para mitos e lendas ao redor de todo o mundo, como will-o’-the-wisp, jack o’ lantern e inúmeros outros.
No Brasil, encontramos as variedades mais próximas. Boitatá acaba sendo ligado aos campos e às florestas, assim como o Batatão – o qual ensina o caminho errado a quem o segue e ainda persegue os que dele fogem. Biatatá e João Galafuz estão relacionados a fantasmas do mar, lembrando mais o Baetatá do século XVI. Alguns dizem que os boitatás aparecem nas proximidades das casas das mulheres adúlteras ou dos lugares onde se cometeram crimes.
Há ainda outros mitos semelhantes, como o Fogo Corredor ou Fogo de Compadre e da Comadre, que são duas bolas de fogo dançarinas – as almas de compadres que se relacionaram amorosamente. Isso para não falar da Mãe do Ouro e das inúmeras lendas de chamas que indicam tesouros enterrados.
Uma das poucas narrativas que tentam explicar a origem do Boitatá foi registrada no Rio Grande do Sul. A história fala de uma grande serpente, a Boiaçu, que sobreviveu ao dilúvio bíblico. Quando o monstro saiu, aplacou sua fome devorando os olhos de todos os animais que haviam morrido afogados. Como os olhos ainda carregavam um pouco da centelha da alma de cada criatura, isso fez com que o corpo da serpente se acendesse de dentro para fora, dando força ao Boitatá.
Para evitar a perseguição do Boitatá serpente, é preciso jogar uma corda presa em laço sobre os ombros (mas sem olhar para trás). Outras versões vão equipará-lo ao Fogo de Compadre e da Comadre, sendo resultado do castigo de almas penitentes. Para afugentá-lo, é preciso a ameaça: “Fulano, vai buscar a corda do sino para prender o Boitatá!”.
BOITATÁ
Pontos de Força: 5
Pontos de Vida: 2
Tipo: Visagem
Elemento: Fogo
Habilidade:
Quando esta carta é invocada, você deve olhar as cartas na Mão do seu oponente e escolher uma para enviar para o Beleléu.
Efeito: Quebranto
Citação: "Boitatá é uma cobra? Eu jurava que era um boi!"
Artista: Anderson Awvas
Fontes
– AGUILERA, Vanderci. O Boitatá existe realmente?. Revista Boitatá. v. 1, 2006. p. 1-15.
– CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. São Paulo: Global, 2012.
– NORTE, João do. As lendas do Batatão. Correio Paulistano, 29 set. 1921.