Bicho Tutu

Ilustração: Al Stefano

BICHO TUTU

Relatório

Tutu-Marambá, não volte mas cá
Que mãe da criança lhe manda matar

Tutu-Marambá, desça do telhado
Deixe meu filhinho dormir sossegado
Jacaré tutu, Jacaré mandu,
Tutu vai s’embora, deixe em paz o meu amor

Tutu-Marambá, fuja do telhado
Que o pai da criança está acordado

Tutu-Marambá, vá embora pro além
Que a mãe da criança vela seu neném
– Veríssimo de Melo, 1869

Tutu, Bicho-Tutu, Tutu-Marambá são apenas alguns dos nomes e derivações deste Papão que chega ao Brasil a partir da tradição africana. Não por acaso, Câmara Cascudo sugere que a etimologia do seu nome veria, justamente, do idioma Quimbundo. Tutu viria de Quitutu, termo que significa “comer”, “aquilo que come”. Seria a mesma raiz que forma, por exemplo, a palavra “quitute”.

Pertencente ao chamado “ciclo da angústia infantil”, o tutu não tem uma forma definida. Assume, assim, a imagem de todos os medos possíveis para uma criança. Pode ser um velho, pode ser um monstro, pode ser até mesmo um porco – confundindo-se com o animal chamado “caititu”.

Cabe apontar, todavia, que a ligação do monstro com a forma muitas vezes se dá meramente a partir da sílaba tônica – como em Tutu, Caititu, a coruja Murucututu (que assume, assim, lugares de papão) e até “Carrapatú”. Em Pernambuco, por exemplo, Gilberto Freyre recupera uma antiga cantiga que assustava as criancinhas. Entre as variações, encontramos: “Calai, meninos, Calai /Ai vem Mamãe Tutu, / lá no mato tem um bicho / chamado carrapatú”.

Existia um monstro brasileiro chamado Carrapatú? Provavelmente não, era apenas uma ligação construída pela rima. Ainda assim, algumas pessoas vão falar sobre um “Bicho Carrapato”, que aparece na forma de um negro velho com um surrão nas costas. De onde vem isso?

O imaginário dos papões se mistura no Brasil, fazendo com que variações da mesma cantiga sejam utilizadas para se referir genericamente ao Bicho Papão, à Cuca, à Coca portuguesa ou aos Tutus. Aluísio Almeida, em 1945, registra versões como: “Tutu Marambá, não venha mais cá. Que o pai do menino te manda malhar” (ou matar), mas também versos que terminam com “Deixa o menino dormir sossegado” ou “Papai foi à roça, mamãe no cafezal”.

Espreitar em cima do telhado é uma prática comum aos papões, por isso que muitas cantigas são entoadas para fazê-los descer. Quando temos uma visagem relacionada ao imaginário do negro, no entanto, é muito comum que o próprio mito seja racializado. Isto é, o racismo estrutural faz com que as pessoas negras tornem-se figuras de medo. “Tutu é um negro velho, corimba ou coroca, que envelheceu na cozinha”, escreve Almeida. Os adjetivos que ele escolhe podem ser entendidos como “feiticeiro” ou “caduco”. Cascudo recupera uma quadrinha de Minas Gerais em que se cantava: “Olha o negro velho em cima do telhado, Ele está dizendo que quer o menino assado”.

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