Cordelista

Ilustração: Caique Pituba

CORDELISTA

Relatório

Chama-se cordelista aquele que domina o ofício da produção de folhetos de cordel. Os cordéis tem um lastro europeu que se relaciona tanto com sua forma de produção (que se dá com o surgimento da imprensa) quanto com o seu conteúdo: a tradição dos romanceiros em verso, narrando histórias que ecoam motes medievais.

Outro elemento característico dos folhetos de cordel são suas ilustrações; produzidas e reproduzidas por meio da técnica da xilogravura. Xilon, em grego, significa madeira. As placas de árvores como a cerejeira, cedrinho, peroba ou cedro são entalhadas com goivas para gerar as matrizes das artes. Num segundo momento, a tinta será espalhada na superfície da matriz para só então ser fixada no papel.

O resultado desta prensa artesanal são imagens formadas a partir de um “negativo”, gravadas em preto e branco. Gilmar de Carvalho, em “Xilogravura – Doze escritos na madeira” reflete que este contraste entre as duas cores, sem meios tons, expressa na arte muito da dramaticidade dos seus textos. Histórias quase barrocas, com inspiração dicotômica, que mostram a disputa do bem contra o mau, do certo contra o errado.

Tido como pioneiro desta arte no Brasil, o pernambucano Leandro Gomes de Barros produziu mais de 200 obras ao longo de sua vida. Suas inspirações eram romances de cavalaria, e ajudou a cravar no imaginário nordestino histórias como as de Juvenal e o Dragão, as batalhas dos paladinos de Carlos Magno contra o gigante ferrabrás e muitas outras.

Para além de uma expressão estética e artística, os folhetos de cordel são também expressões comunicativas e informativas. Nelson Werneck Sodré, ao analisar a história da imprensa no Brasil, aponta que a popularização do cordel no Nordeste está também ligada a interiorização dos maquinários de impressão obsoletos para os grandes centros. Os estudiosos da folkcomunicação reconhecem os cordelistas como jornalistas populares, que utilizam dos meios e estratégias que têm à sua disposição para comunicar sobre o tempo presente.

Assim, encontramos cordeis que falam sobre pelejas notórias, sobre viagem do homem à lua, doenças e seus tratamentos, decisões políticas e vitórias esportivas. Ao mesmo tempo, temos aqueles que utilizam esse meio profundamente jornalístico para produzir desinformação; as chamadas “fake news”. Exemplo disso foi o caso do cordelista baiano Cuíca de Santo Amaro (1907-1964), que escrevia cordéis acusatórios, levantando supostas denúncias – frequentemente genéricas – contra os ricos da cidade.

Cuíca escrevia, muitas vezes, sob o pagamento de um interessado. Como no trecho abaixo, em que vai expor um fiscal: “Um vereador de pojuca, que não tem medo de visagem, o qual para brigar com qualquer um tem coragem pagou-me para eu divulgar a seguinte reportagem”. Outras vezes, tornava seu folheto quase que uma chantagem. Em “O Médico Tarado”, narra a história de um médico abusador e promete revelar, na semana seguinte, o nome da pessoa. A sequência nunca saiu, e dizem que seu silêncio era comprado.

Outro elemento interessante é que no verso de seus cordéis, Cuíca imprimia um habeas corpus preventivo para mostrar aos policiais que ameaçavam recolher suas publicações.

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