Ilustração: Guilherme Petreca
MESTRA ALEXINA
Relatório
Alexina de Magalhães Pinto foi professora e folclorista mineira, que nasceu em São João del Rey (1870) e faleceu em 1921 na cidade de Correias, no Rio de Janeiro. Alexina foi a primeira mulher a se dedicar sistematicamente aos estudos das culturas populares no Brasil. Afinal, o termo e do campo de estúdios do folklore data de 1846, e tinha pouco mais de meio século quando Alexina se envolve após sua formação na França.
Musicista, trabalhou amplamente com a recolha de motes e cantigas populares. Seu nome só recentemente tem sido recuperado e reconhecido pelo seu pioneirismo – que antecedeu em quase duas décadas o trabalho de Heitor Villa-Lobos. Infelizmente, justamente devido ao apagamento histórico, pouco se sabe de sua biografia.
Publicou seu primeiro livro, As nossas histórias (1907), seguido por Os nossos brinquedos (1909), Cantigas das crianças e do povo e danças populares (1916) e Provérbios populares, máximas e observações usuais (1917). As obras são assinadas sobre um pseudônimo, “Icks”, indicando a dificuldade para uma mulher se colocar como pesquisadora na época.
Como professora, foi conhecida por recusar as cartilhas de alfabetização, que faziam o aluno decorar e não aprender. Ao invés disso, utilizava de trovas e advinhas para estimular os alunos. Também era partidária da experiência: é famosa a história de quando levou um sapo para sala de aula, soltou-o entre os alunos – fascinados com o inusitado – e só então se dirigiu ao quadro para escrever S-A-P-O.
Na tese de doutorado de Flávia Carnevalli, encontramos ainda registros de que ela foi a primeira professora a abolir a palmatória, substituindo-a por desafios de memória e dicção. Apesar de uma lei imperial ter proibido castigos físicos na educação em 1827, eles ainda eram praticados por todo o século XIX e início do XX. Alexina preferia algo mais lúdico: alunos indisciplinados deveriam decorar versos difíceis ou repetir trava-línguas como “o bispo de Constantinopla é um bom constantinopolitanizador”, declamando e repetindo em voz alta com um lápis na boca.
Sua carreira no magistério é interrompida em 1915 devido a uma surdez que a acometeu. Foi também a doença responsável pelo seu trágico fim, poucos anos depois, atropelada por uma locomotiva por não a ouvir se aproximar.
Uma história bastante repetida em sua biografia é cheia de controvérsia. Dizem que teria trazido uma bicicleta da Europa e, numa atitude que feria a moral da época, ousou passear pelas ruas com calças compridas amarradas nos tornozelos. Para uma cidade do interior de Minas, como São João del Rey, foi um ultraje.
Por essa ousadia, dizem, teria sido agredida com uma chuva de tomates e ovos podres. O bispo de Mariana também, pelo que se consta, a ameaçou de excomunhão. Uma história fascinante, mas que alguns autores colocam em dúvida. De qualquer modo, é importante não fazermos projeções dos comportamentos passados sob as lentes do presente. Alexina era mulher de seu tempo; provocadora em certos atos, conservadora em outros.
Um de seus livros mais famosos, Cantigas das crianças e do povo e danças populares, foi relançado em 2022 e está disponível gratuitamente em ebook pela Biblioteca do Senado. No site, também é possível ouvir gravações das partituras das 77 cantigas coletadas pela autora.
O livro divide seu material nas seguintes seções: Cantigas; Cantigas dos pretos; Cantigas e danças; Coretos; Coretos de mesa; Coretos de bando de rua; Cantigas jocosas e Cantigas históricas, regionais e patrióticas. Entre elas, versões de O cravo e a rosa, Teresinha de Jesus e Peixe Vivo, que permanecem até hoje no nosso repertório cultural.
Esta última, nomeada por ela “Como pode viver um peixe” está caracterizada como “coreto”. Assim são chamadas as drinking songs, cantigas para declamar em coro, em conjunto, com um grupo de amigos enquanto se toma um trago, festeja ou come. Não é por acaso que o trecho final da versão de Peixe Vivo de Alexina termina com um “Hip, hip, hurra!”. É o momento ideal para um brinde.