Violeiro

Ilustração: Zambi

VIOLEIRO

Relatório

“Eu ando de pé no chão piso por cima da brasa
Quem não gosta de viola que não ponha o pé lá em casa
A viola está tinindo, o cantador tá de pé
Quem não gosta de viola, brasileiro bom não é
Chora viola”
Chora Viola, por Lourival dos Santos e Tião Carreiro


A viola e o violeiro são um marco para a cultura popular brasileira. Ainda assim, muito do que se sabe sobre a sua introdução no Brasil são inferências. Sabemos que os padres jesuítas eram conhecidos por utilizar do canto e da dança como estratégia para a evangelização dos povos indígenas, e encontramos em uma das cartas de Anchieta uma referência a um irmão que tocou viola para o padre Manoel de Nóbrega. Seria a viola utilizada nesse processo de catequese desde o século XVI? Esse salto não é seguro fazer. Mas com clareza sabemos que foi ela o primeiro instrumento harmônico em nosso país.

A relação do instrumento com o catolicismo é muito forte ainda hoje; haja vista sua presença constante nas louvações da Festa do Divino Espírito Santo ou ao acompanhar os ternos de Folia de Reis. No entanto, seria mais adequado considerá-la um instrumento profundamente híbrido, recebendo também forte influência dos povos indígenas e negros.

Exemplo disso vemos ao observar um dos ritmos mais conhecidos da cultura caipira: o “cateretê”, também chamado “catira”. Dançado em linha ou em roda, com batidas de pés e mãos para acompanhar os tocadores, historiadores, como Ivan Vilela, apontam que o ritmo já existia junto aos povos originários antes mesmo da introdução do instrumento. Obviamente, hoje, o cateretê já tem outras características que o peculiarizam.

Outro ritmo bastante conhecido é o chamado Cururu – uma roda de canto, toada, dança e desafio, hoje ainda vigente no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Antônio Cândido, quando escreve “Parceiros do Rio Bonito”, discorda que o nome tenha raízes na dança Bororo chamada “bacururu”. O pesquisador se apega a ideia de que Cururu seria referência aos cantos do sapo, e como a palavra é de origem Tupi-Guarani, os Bororo (que pertencem ao tronco linguístico Macro-Jê) não partilhariam o sentido.

Outra possibilidade, mais plausível, é que Cururu seja uma derivação de Curuzú. A palavra é a forma “guaranizada” de “cruz”, uma vez que não há duas consoantes juntas na mesma sílaba na língua Guarani. Ainda hoje, no Paraguai, encontramos várias narrativas sobre Curuzús; os cruzeiros encantados onde vivem almas penadas. É possível que, com a viola inserida no contexto da catequização indígena, a cruz tenha servido de mote para batizar o ritmo.

Existem vários tipos de violas, com peculiaridades no formato e na disposição. Uma das mais notórias, e mais rústicas, é a chamada “viola de cocho”. Seu nome é uma referência ao cocho onde comem os bois, que consiste em uma tora de madeira escavada. Da mesma maneira, o instrumento que carrega este epíteto tem braço e bojo feitos com uma peça única, escavada artesanalmente com madeira de ximbuva, com tampo de raiz de figueira branca.

Como registrado em seu Modo de Fazer, as peças do instrumento eram coladas com grude feito de “poca” de piranha ou de pintado; sua bexiga natatória. A maioria destas violas era feita com quatro cordas de tripa de animal (bugiu, ouriço caxeiro, etc.) e uma de aço. Hoje, a corda de tripa deu lugar ao náilon. Tripa de boi não é utilizada por ser muito frágil e não aguentar os toques.

A viola caipira é um instrumento de contemplação da natureza. Não por acaso, seus toques são fortemente inspirados pelos sons de bichos, que o cantador habilmente mimetiza – seja ao deslizar os dedos pelas cordas, seja ao bater contra o tampo do instrumento.

Existem inúmeras afinações distintas para viola, que surgem graças a variações regionais. No entanto, as mais famosas são a Cebolão, a Rio Abaixo e a Rio Acima. A primeira tem esse nome peculiar por ser tão bonita que leva quem escuta às lágrimas, como se estivesse cortando uma cebola. A Rio Abaixo, afinada em Sol Maior, tem um conjunto harmônico mais variado e permite maior elaboração nos toques. Ela recebe este nome em referência a lenda de que o próprio Diabo usa essa afinação, descendo o rio numa canoa para encantar o povo com sua música. Já a Rio Acima dá sequência a esta cena, com um toque mais melancólico, representando o povo subindo o rio de volta para suas casas.

Sagrado e profano se encontram no instrumento, que é tocado tanto pelo diabo quanto pelos santos. Dizem que São Gonçalo do Amarante tornou-se protetor dos violeiros por ter usado da música para fazer o povo dançar tanto, mas tanto na noite de sábado que domingo, dia santo, ninguém tinha mais energia para pecar.

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