BATE-BOLA
Relatório
O Bate-Bola é um dos brincantes mais típicos do carnaval do subúrbio carioca, em uma manifestação quase que centenária. Hoje em dia, existem diversas variações para sua fantasia, mas há um padrão tradicional: são palhaços mascarados que usam, a tira colo, um bastão com uma bola presa na ponta por uma corda. A cada passada do festeiro, ele quica a esfera ao seu lado. Nas saídas de turma, quando dezenas de Bate-Bolas se reúnem em celebração, o estrondo é mais do que impressionante.
Outro nome pelo qual este tipo de festeiro segue sendo bastante conhecido pelo Rio de Janeiro é “Clóvis”. A suposição é de que esse batismo tenha vindo de uma corruptela da palavra “Clown”, que significa palhaço em inglês e, especialmente, em alemão. A língua germânica é importante nesse contexto, pois está diretamente ligada com o surgimento da brincadeira. Logo chegaremos a isso.
Para entender o que significa o carnaval dos Bate-Bolas, é interessante compreender as raízes da própria folia carnavalesca. No Brasil, essa tradição tem início ainda no século XVI, quando os portugueses trazem a brincadeira conhecida como “Entrudo”. Tradicional das Ilhas da Madeira e dos Açores, ela era festejada nos dias que antecediam a Quaresma − não por acaso o nome, que vem de “Introito”, o início.
Curioso é perceber que havia dois tipos de entrudo: o “familiar”, que era brincadeira da aristocracia, celebrada nas casas dos senhores, e o “popular”, que se desenrolava na rua. No familiar, a hierarquia era mantida, então os negros escravizados podiam ser atingidos por farinha, água e limões de cheiro pelos ricos – só que sem nunca revidar. Já na rua era momento da desforra, e até penicos eram lançados contra os endinheirados.
Mais de uma vez, o entrudo popular foi criminalizado, tido como uma festa bárbara e violenta. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1853. Na tentativa de se afastar dos costumes do povo, a elite importa os bailes de máscara europeus – que acabam não pegando tanto. No entanto, a fantasia passa a fazer parte da brincadeira. Ainda na segunda metade do século XIX, surgem os primeiros desfiles de Carnaval, com cordões e blocos (agremiações de foliões). Mais tarde, essa organização daria origem às Escolas de Samba, que tomariam o espaço hegemônico do carnaval carioca.
O carnaval do subúrbio, no entanto, nunca deixou de acontecer – e mesmo dentro do momento de ruptura da ordem típica do momento, nunca deixou de ser malvisto por parte da elite e da imprensa. E um dos grandes polos da festa na periferia do Rio de Janeiro sempre foi o bairro de Santa Cruz, que tinha icônicos cordões de mascarados.
Em 1930, em Santa Cruz, o governo Vargas decidiu construir o Hangar do Zeppelin na região. Um zepelim é uma espécie de dirigível alemão, com mais de 200 metros de comprimento, e o hangar seria como um aeroporto para o seu pouso. Para uma obra desse tamanho, muitos alemães acabaram vindo morar na Zona Oeste do Rio de Janeiro. E, por aqui, descobriram o nosso carnaval.
Ocorre que os alemães também possuem o carnaval deles, o “Fastnacht”, no qual, nas guildas de tolo, é comum se fantasiarem de palhaços mascarados, usando como “arma” uma maça feita não de metal, mas de bexiga de porco – como os bobos da corte faziam na idade média.
Durante 100 anos, a economia de Santa Cruz girou em torno do Matadouro Público, instalado no bairro no fim do século XIX. Subproduto do abate do gado, as bexigas de boi serviram perfeitamente para fazer as versões brasileiras da brincadeira germânica. Hoje, as bolas são feitas de plástico, mas, por muito tempo, a bexiga seca impregnava o ar das casas dos foliões.
Os alemães também incorporaram outro elemento importante: a máscara feita com um telado de arame. Com ele, era possível usar uma máscara sem necessidade de furos para olhos ou respiração.
A brincadeira se transformou consideravelmente ao longo dos anos. Hoje, o mais próximo dessa versão retrô do festeiro é chamado de “Bate-Bola Pirulito”, com fantasias individuais que lembram um macacão clássico de palhaço. Mas o mais comum atualmente é que os Bate-Bolas se reúnam em turmas, como uma agremiação.
Ao longo de todo o ano, as pessoas pagam uma mensalidade para custear a festa, as fantasias e os adereços que são sempre temáticos e renovados ano após ano: desenhos animados, histórias em quadrinho, filmes, eventos históricos… tudo pode servir de inspiração. Para completar, cada turma encomenda também um funk para servir de trilha sonora para sua saída.
Durante muito tempo, como acontece com todas as manifestações culturais da periferia, o Bate-Bola foi vinculado à violência. Para tentar se desvincular dessa ideia, alguns grupos acabaram desistindo de sair com a clássica bexiga e passaram a usar outros adereços nas mãos, como bichinhos de pelúcia ou sombrinhas. Ainda assim, a tradição permanece cada vez mais viva.
BATE BOLA
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 2
Tipo: Gente
Elemento: Fogo
Habilidade:
Quando esta carta é invocada, você pode, excepcionalmente, invocar uma segunda carta Gente.
Efeito: Dobradinha
Citação: "Duvido encontrar uma criança, no subúrbio, que não se pelava de medo de um Clóvis."
Artista: Mayara Lista
Fontes
– GAMBA JUNIOR, Nilton; Silva, Priscila Andrade. Bate-bolas: rastros materiais de rupturas históricas nas fantasias dos mascarados cariocas. Estudos em Design, v. 28, n. 1, p. 92-105, 2020.
– PEREIRA, Aline Gualda. Tramas simbólicas: a dinâmica das turmas de bate-bolas do Rio de Janeiro. Dissertação (mestrado). Programa de Pós-Graduação em Artes. UERJ, 2008.
– SANTOS, Luiz Gustavo de Lacerda. Entre memórias narradas e vividas: a cultura dos bate-bolas de Marechal Hermes. 2021. 237 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.
– SOIHET, Rachel. A Subversão pelo Riso: Estudos sobre o Carnaval Carioca, da Belle Époque ao Tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Edufu, 2008.