Comadre Fulozinha

Ilustração: Germana Viana

COMADRE FULOZINHA

Relatório

Pra caçar na sua mata
Só com permissão se tinha
Ou entrava na chibata
Era assim com a Fulozinha
Nessa surra de arder
Ninguém conseguia ver
As lapadas de onde vinha
– Comadre Fulozinha: O Romance da Serra das Flechas
Vanderley de Brito

Comadre Fulozinha ou Florzinha é o nome pelo qual é conhecida esta protetora das matas, que age especialmente pelo Nordeste do país. Seu epíteto, “Comadre”, é uma estratégia típica do povo de eufemizar as relações com as visagens de que tem medo. Assim, tornando-a próxima, a partir de um vínculo pressuposto de compadrio, tentam evitar seu castigo.

Existem alguns relatos que dão a ver uma origem para a Comadre. A maioria fala de uma menina cabocla com pouco mais de 10 anos de idade que vivia em um lar violento. Após a morte de sua mão, o pai que bebia muito a abandona na mata. Não sem antes lhe dar uma surra que deixa suas costas todas lenhadas.Uma vez na mata, sozinha, ela se encanta.

E qual é a aparência da visagem? Os registros são imprecisos, mas normalmente se fala que mantém a aparência de menina, andando nua com longos cabelos desgrenhados que queimam como urtiga (ou até mesmo feitos de urtiga). São eles que a Fulozinha utiliza para chicotear os invasores, deixando-os também lenhados com os estalos.

Falando em cabelo, uma das grandes características da Comadre é a de dar nó na crina e nas caudas dos cavalos. Dependendo da região do país, o mesmo comportamento será atribuído a Bruxas ou Sacis. E, assim como este último, a Comadre também é notória assobiadora.

No Dicionário do Folclore Brasileiro, fala-se que ela é capaz de tomar a forma de animais (que tenham o mesmo tamanho que a menina), virar moça nova e até um garoto. Surra cães e persegue crianças fujonas. Quando presenteia alguém, coloca uma regra: não se pode partilhar o agrado com mais ninguém.

Ela é afeita a agrados com cachaça e nacos de fumo. Oferecer cigarro também funciona, e um caçador entrevistado por Ivo Fernandes de Souza tinha seu próprio ritual: acendia um cigarro e baforava fumava três vezes para esquerda, três para direita e três para cima. Então colocava o cigarro com a brasa dentro da boca e fumaçava para fora. Feito isso, colocava o cigarro em um toco para a Comadre e seguia para a caça.

Outra forma de agradá-la é com o tradicional mingau de trigo, sem sal e nem açúcar. Há narrativas em que uma mulher, enciumada pelo companheiro sempre pedir auxílio da Fulozinha, colocou pimenta no mingau da visagem. Foi sua perdição… A Comadre também detesta que a chamem de Caipora, e vai castigar duramente quem a desrespeitar.

É interessante pontuar que Comadre Fulozinha também está presente entre as encantarias da Jurema Sagrada – tradição religiosa afro-indígena muito forte no norte e nordeste do país. Lá ela atende também como Maria e, vale comparar, em Cascudo, lemos que este é um nome que Fulozinha não aprecia por ser coisa de santo. De qualquer forma, em um de seus pontos alerta:

Eu sou a Fulô das matas, nas matas eu ando sozinha!
Você me chamou comadre, mas eu sou Maria Florzinha.
Eu sou a fulô da mata, pra que mandou me chamar?
Você me chamou caipora… Caipora você será!

A ameaça final é um duplo sentido com o próprio sentido popular do termo Caipora, adjetivo usado para designar alguém que vive em infortúnio, azar e tristeza. Estar caipora; sofrer de “caiporismo”.

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