Ipupiara

IPUPIARA

Ipupiara, por Daniel Souza

Relatório

Em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, Câmara Cascudo era categórico: “Nenhum cronista do Brasil colonial registra a Mãe-d’água como sereia, atraindo pelo canto ou simplesmente transformada em mulher. É sempre o Ipupiara, feroz, faminto e bruto”. Mas o que é o Ipupiara? O radical, percebemos, é o mesmo que o da sereia brasileira. Iara, segundo uma interpretação, é uma palavra que vem do Tupi, significando senhor ou senhora das águas. Ipupiara, por outro lado, tem um nome mais abrangente: aquele que vive na água.

O Ipupiara é um dos mitos de mais antigo registro na história do país. Seu relato está presente, junto com os do Curupira e do Boitatá, em uma carta escrita pelo jesuíta José de Anchieta ainda em 1560. Escreve ele: “Há também nos rios outros fantasmas, a que chamam, Ipupiara, isto é, que moram n’água, que matam do mesmo modo aos índios”.

Um dos mais famosos relatos inclui um confronto contra o ipupiara, narrado pelo cronista Pero de Magalhães Gândavo, em “História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil”, de 1576. O “demônio das águas”, como teriam descrito os indígenas, “era quinze palmos de comprido e semeado de cabelos pelo corpo e no focinho tinha umas cerdas mui grandes, como bigodes”.

Os portugueses foram chamados pelos nativos para ver a criatura que se arrastava pela praia. Quando chegaram, o Ipupiara tentou voltar ao rio, mas foi interpelado por um dos homens com sua espada. Quando enfrentado, “levantou-se direto para cima, como um homem, ficando sobre as barbatanas no rabo”, levando prontamente uma estocada no peito. Entre urros e tentativas de mordida, o Ipupiara foi morto e arrastado para longe da água para secar.

Apenas dois anos depois, em 1578, o missionário Jean de Lery publica Viagem à Terra do Brasil incorporando o relato do que poderia ser um ipupiara. Seu informante indígena contou a história de que, certa vez, um “grande peixe” segurou com as garras sua embarcação. Escreve Lery: “Vendo isso, continuou o selvagem, decepei-lhe a mão com uma foice e a mão caiu dentro do barco; e vimos que ela tinha cinco dedos como a de um homem. E o monstro, excitado pela dor pôs a cabeça fora d’água e a cabeça, que era de forma humana, soltou um pequeno gemido” E continua: “Resolva o leitor sobre se se tratava de um tritão, de uma sereia ou de um bugio marinho, atendendo a opinião de certos autores que admitem existirem no mar todas as espécies de animais terrestres”.

Fernão de Cardim, em anotações feitas entre 1583 e 1601, também descreveu os ipupiaras. Para ele, inclusive existem monstros masculinos e femininos. “Parecem homens de boa estatura, mas tem os olhos muito encovados. As fêmeas parecem mulheres, tem cabelos compridos e são formosas: acham-se estes monstros nas barras dos rios doces”, descreve o cronista. a criatura era conhecida por matar suas vítimas por meio de um poderoso abraço, estourando os homens por dentro – como as serpentes constritoras. No entanto, escreve Cardim, quando sentem que a vítima morreu, “dão alguns gemidos como de sentimento e, largando-a, fogem. Se levam alguns comem-lhes somente os olhos, narizes e pontas dos dedos dos pés e mãos e as genitálias”.

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