Ilustração: Igum Djorge
PÉ-DE-GARRAFA
Relatório
Visagem típica do centro-oeste, mas também presente em certos rincões de sudeste e nordeste. Trata-se de uma criatura com um único olho, um único braço e um único pé que termina em um casco redondo e liso, como o fundo de uma garrafa. O rastro o torna especialmente ameaçador, já que por meio dele não se sabe a direção que o ser está tomando.
Dizem que lembra a forma de um ser humano muito peludo, e dizem ser capaz também de imitar a voz dos homens, atraindo vítimas para seu ataque. Quem o encontra fica “variado” e, em delírios, nunca mais encontra o caminho de volta para casa.
Câmara Cascudo descreve ainda outra habilidade bem frequente entre os mitos da mata: o fato de que, aquele que escuta seu chamado de longe, na verdade está cada vez mais perto do ser. E os que escutam o assobio de perto, estão é longe do perigo.
Registro notório do monstro foi publicado em 1949 pelo jornalista mato-grossense Virgílio Correia Filho. Ele descreve o Pé-de-Garrafa como uma grande ameaça aos poaieiros – como dado aos coletores de poaia (Carapichea ipecacuanha) que, na época, era muito coletada para a produção de medicamentos contra coqueluche e amebíase. Escreve:
“Duende capaz de acometer os mais destemidos mateiros. Ninguém que o veja regressará ao convívio dos amigos. Todavia, descrevem-no como unipedal monstrengo de aparência humana, que deixa rastro semelhante ao molde de fundo de garrafa. Só se mostra aos predestinados ao trágico fim. Verificar-lhe as medonhas feições não será permitido a quem evite perder o rumo do costumeiro abrigo. Ainda que o lendário inimigo não consiga estreitá-lo de encontra ao seu peito cabeludo, para lhe sugar vorazmente os olhos e deixá-lo estendido, para pasto de famintos carniceiros, o poareiro, a quem apareça, não mais acertará o caminho do rancho”.
Segundo os depoimentos, possui poder sobre os ventos e certas plantas, como alguns cipós e o pau de perdiz (Simarouba versicolor). Esta é outra constante dos mitos da mata, a capacidade de encantar cipós. Aquele que passar debaixo da planta encantada fica desnorteado.
Seu único ponto-fraco, assim como nos casos do Mapinguari, Capelobo e outros bichos-homem é o umbigo. Seu pelo é invulnerável e existem versões em que o monstro é tão cabeludo que o umbigo permanece muito bem escondido.