MINGAU-DAS-ALMAS
Relatório
“E o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos”
– A Fábrica do Poema, de Wally Salomão
Sabe quando se acorda com uma babinha seca no canto da boca? Na tradição popular, a saliva seca da manhã é chamada papa ou “mingau-das-almas”. Dizem que quando a criança não comia direito, as boas almas preparavam um mingau no céu e serviam durante o sono para que ela não morresse de fome.
O gosto não é dos melhores, e faz a criança acordar com a língua amargosa. Por isso, quando se acordava, a primeira coisa a fazer era enxaguar a boca para limpar o mingau.
Na cultura popular brasileira, a atuação das almas durante a noite era frequente – e nem sempre tão positivas assim. Câmara Cascudo dizia que se os seus chinelos amanheciam em posição diferente da que dormiam, eles foram usados por almas. Era costume tampar as tinas e cumbucas de água para que as almas farreadoras e gaiatas não cuspissem nela, contaminando-a.
Também era costume, quando uma comida caia da mão, gritar “para as almas” assim que ela atingisse o solo. Era uma forma de evitar que o alimento fosse comido pelo diabo.
Mingau-das-Almas, na umbanda, é um prato servido aos pretos e pretas velhas. Trata-se de um mingau feito com fubá de arroz e preparado sem sal nenhum, deixado para esfriar no terreiro. Mingau assim, sem tempero, também é uma ótima oferenda para caipora.