Chá de Sumiço

Ilustração: Suryara Bernardi

CHÁ DE SUMIÇO

Relatório

“Ainda está pra nascer
um cabra pra fazer isso.
Aquele que se atrever
pode rezar, vai morrer,
vai tomar chá de sumiço”.

João Boa-Morte, Cabra marcado para morrer
(Ferreira Gullar, 1962)

“Chá de sumiço” é uma expressão popular utilizada para descrever a atitude de alguém que, de repente, se afasta ou desaparece de maneira inexplicável do convívio social, seja online ou offline. Quem toma chá de sumiço deixa de frequentar ambientes em que outrora facilmente era localizado. E nem sempre por vontade própria.

No livro “Mas será o benedito?”: Dicionário de provérbios, expressões e ditos populares, lançado pelo jornalista Mário Prata em 1996, temos um registro supostamente histórico. Mário diz que o fotojornalista argentino Sebástian Lucrécio afirmava: “era normal, na época da ditadura argentina, os militares darem um certo chá para certos terroristas. Depois do primeiro gole morriam asfixiados. E sumiam”.

Basta um pouco de senso crítico para ver que o causo não tem fundamento histórico nenhum. Não existe mais nenhuma fonte que mencione o acontecimento, além da suposta citação de segunda mão. Para além disso, a Ditadura Argentina ocorreu entre os anos de 1976 e 1983. Pesquisando na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional brasileira, encontramos menções a expressão “tomar chá de sumiço” em veículos jornalísticos desde 1930 – muito antes do fato histórico relacionado.

O chá, físico, que faz as pessoas desaparecerem provavelmente nunca existiu. Da mesma forma como o notório “Chá da Meia-Noite”, que diziam ser uma bebida envenenada que as enfermeiras ofereciam aos doentes terminais para liberar os leitos durante a pandemia da Gripe Espanhola no início do século XX. Todavia, a relação entre sumiços escusos e ditadura é inevitável. Tanto que, em 2011, a artista plástica brasileira Lorena D’arc produziu uma instalação chamada, justamente, “chá de sumiço”. Trata-se de 379 porcelanas dispostas lado a lado. Uma para cada morto ou desparecido político durante a ditadura civil-militar.

 

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