Mula sem Cabeça

MULA SEM CABEÇA

Relatório

A Mula sem Cabeça é mito brasileiro que surge por forte influência católica durante o período colonial. Trata-se da história de uma maldição que se abate sobre mulheres que cometem um interdito, um ato proibido. Por conta disso, nas noites de quinta para sexta-feira, assumem a forma de uma grande mula preta sem cabeça. Em seu lugar, expele as chamas do próprio inferno que lhe queimam de dentro para fora.

Quando transformada, a mula deve correr uma carreira descomunal, passando por sete igrejas, sete cemitérios e sete freguesias (vilas). É o mesmo percurso que deve fazer o lobisomem durante o seu fadário. Neste trajeto, a Mula a tudo atropela, e é capaz de destruir os olhos, dentes e unhas de todo aquele que a encara. É por isso que, segundo a tradição, deve deitar-se no chão e esconder as unhas quando esta visagem está passando.

As versões mais conhecidas falam que o interdito que a mula rompe é o relacionamento com um padre católico. No entanto, existem outros exemplos. Alceu Maynard Araújo fala que a moça solteira que tem relação sexual antes do casamento recebe a maldição. Simões Lopes Neto, quando descreve o tipo de pessoa que vira Mula vai falar que são “mulheres de má vida”. Gustavo Barroso vai ser mais objetivo e relacionar a mula à uma metáfora com prostitutas.

A falta de cabeça na mula é simbólica. Representa o abandono da razão. Como se essas mulheres tivessem abandonado as faculdades do pensamento para dar vazão aos prazeres da carne. Não é sem motivo que abandonam a forma humana e assumem a de uma besta. A transformação é, além de tudo, um martírio. Câmara Cascudo aponta que muitos relatos falam que o relincho da mula soa como um gemido, como se morresse de dor. Por vezes, a visagem é ainda montada e torturada pelo próprio diabo, que lhe rasga a barriga com seus chinelos de fogo.

Para que a pessoa não se transforme, os relatos dizem que toda sexta-feira, durante sete anos, o padre deve amaldiçoar antes da missa a mulher com quem se deitou. Manuel Ambrósio, citado por Cascudo fala que o sacerdote deveria, em verdade, amaldiçoá-la sete vezes sete vezes, o que tradicionalmente, é uma forma de se referir a quantias infinitas. Um dos momentos, ressalta o folclorista, é excomungá-la logo antes de colocar os chinelos; para “pisar” metaforicamente na mulher durante todo o dia de orações.

Curioso notar como, no caso do rompimento dos interditos, a mulher é transformada em monstro enquanto ao padre – que também quebrou seus votos – não cabe castigo algum. Em verdade, existe no trabalho de certos estudiosos, alguns relatos de um “cavalo sem cabeça”, que seria a versão masculina do mito que surge após o falecimento do sacerdote. No entanto, o próprio desconhecimento popular desta versão mostra como o imaginário punitivo da mulher é muito mais significativo. Hoje, enfim, estas narrativas vêm sendo mais questionadas.

Existem duas formas de desencantar em definitivo uma mulher tornada mula-sem-cabeça. A primeira é arrancando seu sangue com um alfinete virgem. O sangue vai operar como elemento redentor, como batismo, marca do sofrimento trazido pelo suposto aprendizado que o castigo maldito trouxe. A segunda possibilidade é mais promissora: retirar da mula seu freio de ferro encantado, que repousa em meio às chamas infernais de seu pescoço. Ato de coragem, retirar os freios da mula é metáfora para devolver à mulher sua liberdade.

Outra versão
Em “O Saci”, de Monteiro Lobato, quando Pedrinho pergunta a Tio Barnabé qual a história da Mula sem Cabeça, ele escuta uma resposta que é pouco familiar para nós.

“Dizem que antigamente houve um rei cuja esposa tinha o misterioso hábito de passear certas noites pelo cemitério, não consentindo que ninguém a acompanhasse. O rei incomodou-se com isso e certa noite resolveu segui-la sem que ela o percebesse. No cemitério deu com uma coisa horrenda: a rainha estava comendo o cadáver de uma criança enterrada na véspera e que por suas próprias mãos, cheias de anéis, havia desenterrado! O rei deu um grito. Vendo-se pilhada, a rainha deu outro grito ainda maior — e imediatamente virou nessa mula-sem-cabeça, que desde aquele momento nunca mais parou de galopar pelo mundo, sempre vomitando fogo pelas ventas.”

Não foi possível identificar nenhum outro registro da Mula assim, em que o interdito não tem nada a ver com corpo e sexualidade, e sim com a devoração de cadáveres. Tudo indica que seja uma criação do escritor.

MULA SEM CABEÇA
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 7

Tipo: Visagem
Elemento: Fogo

Habilidade:
Envie uma carta Gente, de sua Mão, para o Beleléu, para poder invocar Mula. Não é possível invocá-la sem fazer isso, nem com uma carta Saberes.

Efeito: Fadário

Citação: "O relincho dela parece um choro. Aquele fogo... será que dói?"

Artista: Pâmela Vianna

Carta da Mula Sem Cabeça mostrando uma ilustração em um ambiente noturno com lua cheia, uma moça de vestido vermelho encostando a mão na cabeça da mula-sem-cabeça. A mula-sem-cabeça se mostra como uma mula onde possui uma labareda ao redor da cabeça. No fundo, uma escadaria que leva até uma igreja.

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Fontes

– CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2012.
– CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos mitos brasileiros. São Paulo: Global, 2002.
– COSTA, Andriolli. A Mulher do Padre – Tradição e misoginia na adaptação audiovisual do mito da mula sem cabeça. In: XXXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2017, Curitiba. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, 2017, v. 40. p. 1-14.
– DO NORTE, João. Mulas sem cabeça. O Jornal. Rio de Janeiro. 19 jan. 1922.
– LOBATO, Monteiro. O Saci. São Paulo: Brasiliense, 2005.
– MAGALHÃES, Basílio de. O Folclore no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939.
– PEREIRA, José Carlos. O encantamento da Sexta-Feira Santa. São Paulo: Annablume, 2005.