Boto Tucuxi

BOTO TUCUXI

Relatório

“Me arresponde, boto preto
Quem te deu esse piché?
Foi limo de maresia
Ou inhaca de mulher?”
Esse Rio é minha Rua, de Ruy Barata

Além do Boto-Vermelho, nas águas do Rio Amazonas encontramos outro animal encantado: o Boto-Preto − também chamado de Boto-Tucuxi (Sotalia Fluviatilis). Tradicionalmente, não são conhecidas histórias de que este animal assuma forma humana, e muito menos de que cometeria qualquer tipo de violência contra o gênero oposto. No entanto, isso não significa que inexistam narrativas sobre ele em nossa cultura popular.

O Tucuxi é tido como um benfeitor, e dizem que é comum ouvir histórias de que este boto empurra os náufragos para a margem, salvando-os de um destino trágico. É um animal benquisto pelos pescadores no Amazonas, que sempre valorizam sua presença às voltas do barco como um sinal de boa sorte. Um amigo vigilante a olhar por sua segurança.

Sairé
Esta aparente oposição entre os dois animais visagentos inspira uma notória disputa na Amazônia paraense. Em Alter do Chão, município próximo a Santarém (PA), ocorre, no mês de setembro, desde 1999, o Festival dos Botos. O evento acontece durante o Sairé, uma festividade que retoma uma manifestação centenária introduzida pelos jesuítas na região amazônica, ainda no século XVII.

Com o objetivo de facilitar os trabalhos de catequese, os religiosos criaram uma manifestação que incorpora elementos de festas folclóricas portuguesas com rito religioso e orações católicas em nheengatu. O ponto alto era a condução do objeto que dava nome à festa: o Sairé. Um semicírculo feito de cipós e enfeitado com algodões e flores. Praticamente um andor.

Com o tempo, outros elementos foram sendo incorporados à festa pelo povo, como jogos e bebidas, o que fez o Sairé ser proibido, em 1943, por padres franciscanos. Apenas 30 anos depois, a festividade foi reativada em Alter do Chão, mas já com outras características. Passa a receber muito mais intervenção do poder público e da ideia de valorização do turismo.

É assim que o Festival dos Botos é incorporado ao Sairé no fim dos anos 1990, mimetizando muito da estrutura do já consolidado Festival Folclórico de Parintins, onde encontramos a disputa histórica entre os bois Garantido e Caprichoso. Vale pontuar: a presença dos Botos na festa do Sairé, ainda hoje, gera polêmica.

De qualquer maneira a festa continua, e as agremiações do Boto-Preto e do Boto-Vermelho disputam arduamente a vitória, ano após ano. Com a vitória do Boto Preto em 2022, os grupos estão empatados: 11 vitórias para cada um, desde 1999. O Festival dos Botos é composto por uma série de etapas que os grupos devem contemplar em suas alegorias, encenando a conquista de uma indígena pelo boto namorador. Diferentemente da tradição, na versão festiva retratada no festival, o Tucuxi assume forma humana e também seduz mulheres.

Cobra Sofia
Uma derivação mítica das histórias do Boto-Tucuxi na Amazônia acontece no Amapá, na Ilha de Santana, onde a animal encantado assume uma outra figura: a de pai de uma gigantesca serpente adormecida, que estaria embaixo da cidade, a Cobra Sofia.

Sofia faz parte do Ciclo de Cobras-Grandes que permeia toda a região amazônica, onde, para além do mito principal de uma cobra-grande que representa o próprio Rio Amazonas, temos lendas regionais que incorporam descrições e nomes específicos a esta forma narrativa. É o caso de Rosalina, a Cobra-Grande do Rio Jatuíra.

Na história que circula por Santana, dizem que o Tucuxi se apaixonou por uma indígena chamada Icorã. Para seduzi-la, não assumiu a forma humana como seu parente das águas. Tomou a forma de um lindo cisne e, como ave, ele a engravidou. Quando o bebê nasceu, a mulher jogou a criança no rio, para que ninguém soubesse do ocorrido. O boto usou seus poderes e transformou o bebê em uma cobra, que foi crescendo, crescendo, até tomar as proporções gigantescas de hoje. Dizem que, quando há tremores na cidade, é a Cobra Sofia que está se mexendo embaixo da terra.

BOTO TUCUXI
Pontos de Força: 3
Pontos de Vida: 3

Tipo: Visagem
Elemento: Água

Habilidade:
Quando esta carta é invocada, você deve escolher uma carta Gente, do Beleléu, e invocá-la diretamente no campo.

Efeito: Resgate

Citação: "Tu é leso, é? Esse é o boto-preto. Ele não vira gente, não!"

Artista: Nilberto Jorge

Carta do Boto Tucuxi, mostrando uma ilustração de um boto tucuxi nadando por dentro de uma onda.

Baixe a imagem em HD

Fontes

– CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2012.
– MORAES, Thaissa Naiara Nonato. O (des)encanto da Sofia: a cobra-grande como mito e crítica social na cidade de Santana. Orientador: José Maria da Silva. 2016. 81 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais) – Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2016.
– SIMÕES, Maria do Socorro; Golder, Christophe. Belém conta. Belém: UFPA, 1995a.
– SIMÕES, Maria do Socorro; Golder, Christophe. Santarém conta. Belém: UFPA, 1995b.
– SLATER, Candace. A festa do boto: transformação e desencanto na imaginação amazônica. Rio de Janeiro: Funarte, 2001.