PARAFUSO
Relatório
Parafusos é o nome que se dá a um grupo de brincantes da cidade de Lagarto, no interior de Sergipe. Na cabeça, traz um chapéu cônico, emoldurando seu rosto pintado de barro branco – chamado tabatinga. Já seu corpo é coberto de anáguas, como saias bem drapeadas, que rodam de um lado para outro, conforme o festeiro gira e dança.
Essa é a brincadeira dos parafusos, como eterniza a música que sempre acompanha a apresentação do grupo: “Quem quiser ver o bonito, saia fora e venha ver. Venha ver os parafusos, a torcer e distorcer!”.
Os parafusos retomam, na forma de manifestação cultural, um episódio que marcou a alma da cidade e remete ao período da escravidão. No entanto, vale ressaltar, há muitos pontos imprecisos na história deste grupo, que é o único do gênero no país.
Muito do que se sabe sobre a tradição vem da história oral, especialmente a partir do depoimento de Benedito Puciano ao historiador Adalberto Fonseca, em 1968. Filho de africanos, Benedito foi escravizado na Fazenda Piauí e integrou o grupo original, posteriormente batizado como Os Parafusos. Na época da entrevista, afirmava ter 117 anos de idade.
Benedito contava que, para conseguirem fugir das fazendas e dos engenhos para os quilombos, muitos escravizados passaram a roubar as anáguas das sinhazinhas que passavam a noite no quaradouro – onde ficavam para branquear. Era costume, na época, usar “anáguas de sete côvados, que ficavam bem rodadas e ornadas, com rendas e bicos franceses muito em moda no século passado”. Um contraste com as roupas de algodão (as baetas e baetilhas) dos escravizados. O roubo, dizem, inicialmente seria para servirem de cobertor. Depois, perceberam outra utilidade.
Os negros vestiam várias peças, umas sobre as outras, na cintura e no pescoço, deixando as mãos livres para a ação. Pintavam o rosto de branco com a mistura de água e barro para, por fim, reforçarem a impressão de serem almas penadas correndo, girando e gritando. O medo dos brancos ajudava a mascarar suas ações.
Em Lagarto, alguns relatos mais romanceados dizem que, com a abolição da escravatura, em 1888, negros invadiram a sede do município para girar com suas anáguas em celebração. O que Benedito conta é que, após a libertação, vestir-se com as anáguas continuou a ser feito na forma de brincadeira. Um ato lúdico, mas que também era um deboche contra os antigos patrões.
Conforme o velho brincante, foi então que o vigário da época, José Saraiva Salomão, teria dito que “os pretos rodopiavam feito uns parafusos, a torcer e a distorcer”. Teria sido ele também a reunir os negros, como já se fazia com as louvações a São Benedito, e os convencido a trocar os gritos pelas loas que cantam, adicionando um grupo de tocadores que acompanham com zabumbas e sanfonas. Inclusive, seria dele a mais famosa música cantada até hoje, o “quem quiser ver o bonito”, mencionado anteriormente.
Os fatos, talvez, não se mostrem da mesma ordem como narrados. A data apresentada como a de criação oficial do grupo é o dia 7 de setembro de 1897. Será mesmo, ou foi uma data escolhida pelo seu sentido pátrio? E quanto ao padre batizador, a historiadora Aglaé Fontes de Alencar aponta que o pároco atuou apenas até 1860, bem antes da abolição e da fundação do grupo. Em Câmara Cascudo, encontramos menção ao pernambucano Jayme Griz, em que registra como cantiga infantil a música “Quem quiser o parafuso / saia fora e venha ver / venha ver o parafuso / até o dia anoitecer”, entoada enquanto giravam a tontear. Seria então a música dos parafusos uma adaptação de canção infantil que já circulava na cultura popular?
O folguedo sofre uma série de transformações ao longo dos anos. Até a década de 1960, eram 21 brincantes, sendo que um deles vestia-se de indígena, em referência aos povos originários que teriam colaborado com a fuga dos escravizados para os mocambos. Depois de reativado, no final da década de 1970, o Parafusos passou a ser composto por 13 brincantes, já sem o personagem indígena.
Nos anos 1960, os brincantes usavam chapéu de palha, com um acessório que lembrava uma mola ou espiral. Na década de 1980, a indumentária era composta de um traje branco com cinco anáguas, do pescoço até os pés, e chapéus de ráfia, com uma fita vermelha amarrada ao redor. Durante muito tempo, dançou-se descalço, como os escravizados. Depois, passou a se dançar com um sapato Conga. Hoje, usam-se sandálias brancas. Bandeira e fita seriam acrescentadas para “homenagear a cidade de Lagarto”, algo abolido na década de 2000.
Os Parafusos são o folguedo mais conhecido de Lagarto, já tendo sido registrado como patrimônio imaterial do município e do estado. Uma estátua representando um brincante integra, inclusive, o largo da gente sergipana em Aracaju. Ainda assim, o que se percebe é a dificuldade da renovação, especialmente pelo preconceito ligado a usar saia e pintar o rosto.
PARAFUSO
Pontos de Força: 2
Pontos de Vida: 3
Tipo: Gente
Elemento: Noite
Habilidade:
Envie uma carta da Mão para o Beleléu. Até o fim do turno, esta carta valerá por duas, ao enfrentar qualquer Desafio. A carta vai para o Beleléu depois disso.
Efeito: Parceira
Citação: "Eles fugiam feito fantasmas. As anáguas das sinhás eram parte do assombro."
Artista: André Vazzios
Fontes
– ALENCAR, Aglaé d’Ávila Fontes de. Danças e folguedos: iniciação do folclore sergipano. 2. ed. Aracaju: s.r., 2003.
– CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2002.
– OLIVEIRA, Irineu Roberto de. A saga dos Parafusos de Lagarto: resistência e ressignificação. 2002. 120f. Trabalho de conclusão de Curso. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2002.
– SANTANA, Flávio. DÉDA, Talita. A Folkcomunicação a partir do grupo folclórico Parafusos. Anais. XIX Congresso de Ciências da Comunicação – Intercom. Fortaleza, 2017.