TACACÁ
Relatório
Oi, mexe, mexe menina, pode mexer sem parar
Você agora é a minha garota do tacacá
Rala, rala a mandioca, espreme no tipiti
Separa a tapioca, apara o tucupi
Prepara meu tacacá, gostoso como açaí
– Trecho de “Garota do Tacacá”, de Pinduca
Uma sopa ou um caldo? Come-se ou bebe-se? O tacacá é um prato típico da culinária amazonense que vem fascinando os intérpretes ao longo dos séculos. Da forma como o conhecemos hoje, trata-se de um preparado servido na cuia, onde se dispõe pimenta, tucupi, goma de tapioca, folhas de jambu e camarão seco – com uma nova conchada de tucupi para cobrir os ingredientes.
O prato é de origem indígena, e há variações da receita hoje tida como tradicional – especialmente ao utilizar peixe no lugar do camarão. Segundo José Veríssimo, em um artigo publicado no fim do século XIX, a palavra “tacacá” parece ser uma corruptela do termo tupi Mbae Tykycú, que significaria “coisa para beber aos tragos”. Seria por isso que a tradição institui que se sirva o prato em cuias ou tigelas.
Apesar da forte marcação indígena, alguns pesquisadores chamam atenção para a importância de compreender o tacacá também como um processo de diálogos entre culturas. Afinal, o uso do alho (em que se tempera o tucupi) é uma referência da culinária ibérica. O camarão seco, introduzido depois à receita, carrega influência africana.
O tucupi e a goma são produtos bastante presentes na culinária dos povos originários, já que ambos são subprodutos da mandioca, raiz largamente utilizada pelos indígenas brasileiros. Sobre a mandioca, é comum que ela seja dividida em dois grandes grupos, a partir da quantidade de ácido cianídrico que contém. As com baixo nível são conhecidas como mandiocas-mansas ou doces (como a macaxeira, aipim etc). Já as com alto nível, tornando-se venenosas, são as mandiocas-bravas ou amargas.
Para que se retire o “veneno”, é preciso preparar o alimento de maneira adequada. Tradicionalmente, a mandioca-brava, ralada, é depois prensada em um tipiti (espécie de espremedor feito de palha). A massa seca vai virar farinha; e o líquido que escorre dessa prensa é a manipuera, a qual ainda é venenosa. Dela, extrai-se o precipitado (a goma de tapioca), e o restante do líquido, após fermentar por 24 ou 48 horas, torna-se o tucupi.
Para terminar de tirar a substância venenosa, o tucupi é fervido e temperado com sal, alho e ervas, como a chicória-do-pará e a alfavaca. As folhas, que dão origem à maniçoba, devem ser cozidas por pelo menos quatro dias – embora o povo costume dizer que são sete.
Por fim, vale mencionar também a cuia em que o tacacá é servido, que passa, ela própria, por um modo de fazer tradicional. O artefato é produzido a partir dos frutos da cuieira, chamada, ainda, de “coité” (Crescentia cujete). A planta dá frutos arredondados, diferentemente do porongo ou da cabaça, da Lagenaria siceraria, que serve de matéria-prima para as cuias de chimarrão e tem um pescoço mais alongado. Além disso, o coité serve para a produção de berimbaus.
A fruta madura da cuieira é partida em duas; depois, retira-se a polpa. Com a casca verde retirada, a peça fica bem clarinha. Após ficar seca ao sol, ela já pode ser utilizada, e é assim chamada de cuia pitinga (sem pigmento). As de tacacá, no entanto, são de um preto vívido. Como isso é feito?
O processo prossegue com o uso de cumaté – a resina do cumatezeiro (Myrciam Atramentifera) –, que serve de verniz natural e envermelhece as peças. Em seguida, as cuias são colocadas em uma cama (ou puçanga), em cima de uma camada de cinzas, sobre a qual se borrifa urina humana. Assim, elas serão abafadas com um pano ou lona, por 12 horas, virando-se na metade do tempo, saindo de lá finalizadas. O processo é uma forma natural de extração de amônia (presente na urina), produto necessário para a fixação do cumaté.
TACACÁ
Tipo: Saberes
Habilidade:
Escolha uma carta Gente, do seu lado do campo. Até o fim do turno, esta carta valerá por duas, ao enfrentar qualquer Desafio. A carta vai para o Beleléu depois disso.
Efeito: Parceria
Citação: "O meu, com pouca goma e bastante tucupi, por favor."
Artista: Levi Gama
Fontes
– CARVALHO, Luciana Gonçalves. O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém. Rio de Janeiro: Iphan, CNFCP, 2011, 192 p.
– Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [Iphan]. Modos de Fazer: Cuias no Baixo Amazonas. 2006, 17 min.
– ROBERT, Pascale; VAN VELTHEM, Lucia. A hora do tacacá. Consumo e valorização de alimentos tradicionais amazônicos em um centro urbano (Belém – Pará). Anthropology of food, S6, December, 2009, p. 1-13.
– VERÍSSIMO, José. A Linguagem Popular Amazônica. Revista Amazônica. 1º ano, tomo I, n. 4, janeiro e fevereiro, 1883, p. 138.